Na mesma semana em que a autoridade máxima do Executivo Federal se voltou a um jornalista para dizer “minha vontade é encher tua boca na porrada”; poucos dias depois de o governo de Romeu Zema Neto, em Minas Gerais, aterrorizar as famílias do Quilombo Campo Grande, desalojando-as em meio à mais grave crise sanitária do país, colocando a vida e a saúde de milhares de pessoas em risco; o senhor Antonio Alvimar Souza, reitor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), dá as próprias lições de truculência e autoritarismo explícitos durante reunião remota do Conselho Universitário.
O ocorrido se deu após o reitor tecer elogios ao governo Zema, que comemora a 9ª menor taxa de mortalidade pelo novo coronavírus (COVID19) do país (com 2,4%) mesmo diante das reiteradas denúncias de órgãos de imprensa sobre subnotificações. Além de estar à frente do projeto de reforma previdenciária, que tolhe, no Estado, direitos do(a)s servidore(a)s público(a)s, o governo Zema se vê em meio a denúncias que apontam que 70% das mortes por síndrome respiratória teriam como causa “indeterminada”, valendo-se, para isso, da falta de exames para diagnósticos equivocados que escamoteiam os números reais da pandemia no Estado. Em Minas Geais é onde menos realizaram-se testes em todo o país, com a média de 155 exames para cada 100 mil habitantes.
Após a fala do reitor, na condição de Conselheiro, Rafael Baioni do Nascimento, docente do Departamento de Educação, recordou o compromisso da instituição universitária com o Estado, o que não se confunde com o apoio a governos, sublinhando a necessidade da autonomia, que prescinde o fazer acadêmico para a necessária intervenção crítica frente aos problemas sociais.
O que se viu, em seguida, foi um carrilhão de grosserias que o reitor, que presidia o conselho, passou a dirigir ao professor. Referiu-se ao conselheiro como “mestre de colocar na boca das pessoas aquilo que ela não falou (sic)”, acusando sua forma “azeda de ver o mundo”, chamando-lhe de “psicólogo azedo”, acusando-lhe de “aterrorizar as pessoas” e de ter “dor de cotovelo”, entre outros impropérios. No tom imperativo, dirigiu-se ainda ao conselheiro: “é este governo que paga o seu salário” (dito duas vezes), “seu salário está sendo pago mesmo o senhor estando em casa” e que ele teria que “concordar com isso” (repetidas vezes), como se o trabalho docente não tivesse sido duplicado com o advento de atividades remotas e como se estivesse ele submetido ao “mando do chefe” que, por sua vez, lhe cobraria obediência acrítica, como nas assediosas relações que caracterizam o mandonismo político e os patriarcalismos.
O reitor referiu-se, também, à universidade como “minha comunidade acadêmica”, o pronome possessivo expressa a forma particularista com que compreende o ofício de reitor.
Em nenhum momento o presidente do conselho se referiu ao professor Rafael como conselheiro, nos termos de uma instância colegiada; mas comportando-se como se estivesse em uma instituição sua, toda a descortesia era dirigida a ele em tom pessoal, desvelando sua total incompreensão quanto ao papel da reitoria num conselho superior: na qualidade de executivo, frente às representações da comunidade universitária cuja vontade é soberana; e não de “chefe” daqueles que tenta, pela palavra dura, conduzir à subalternidade.
A atitude desrespeitosa e intimidadora deste senhor é incompatível com a função de reitor e faz lembrar os tétricos anos de autoritarismo institucional que sufocaram liberdades democráticas e submeteram as universidades à intervenção direta. A estupidez e a grosseria são comuns aos interventores, comprometidos com governos autoritários e alheios aos interesses da comunidade acadêmica, bem como ao compromisso da instituição universitária com o Estado, como parte indissociável de sua soberania.
Brasília (DF), 25 de agosto de 2020.
Diretoria Nacional do ANDES-SN