NOTA DA DIRETORIA NACIONAL DO ANDES-SN CONTRA O RACISMO, A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E O FUNDAMENTALISMO NEOPENTECOSTAL, E EM DEFESA DO PROFESSOR ILZVER DE MATOS OLIVEIRA
A dita “agenda dos costumes”, marca do conservadorismo político da ultradireita no poder, não é mero adorno e tampouco inofensivo ideário: trata-se de uma lógica perversa que alveja os segmentos de sociedade mais sulbalternizados nas relações capital-trabalho, arremessando-os mais ainda à margem do progresso e distantes das estruturas de poder, a fim de que sejam mais brutalmente hiperexplorados na infraestrutura econômica.
Esta é a coerência que informa, para o povo preto, indígenas, mulheres, comunidade LGBT e o povo de terreiro, o agravamento das práticas de intolerância, da violência simbólica à tácita.
A intolerância religiosa contra cosmovisões de matrizes africanas, como o Candomblé, tem ainda como razão o fundamentalismo neopentecostal propagandeado por lideranças religiosas compromissadas com o presidente Bolsonaro e incumbidas de manter coesa parte da sua base de apoio, transformando o ambiente de culto religioso em local de proselitismo político e da já costumeira profusão de mensagens de ódio contra religiões tradicionais referidas criminosamente como cultos ao “demônio”. Assim são tratados arquétipos e entidades mágico-religiosas caras a uma imensidão de fiéis que tem a sua fé violentada cotidianamente em diversos ambientes da vida social.
A intolerância religiosa se manifesta no ambiente da educação pública, laica por princípio, mas onde estão presentes também grupos organizados de ódio, é porque, como microcosmo da realidade social, suas contradições também ali se expressam. Foi o que ocorreu no Departamento de Direito (DDI) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde o Professor Doutor Ilzver de Matos Oliveira, negro e candomblecista, pesquisador das religiões de matriz africana e com intensa atuação em defesa da liberdade religiosa, acabou impedido de assumir a vaga em concurso público de provas e títulos para o qual fora aprovado.
Sua aprovação se deu em certame, para docente do magistério superior, realizado no ano de 2019 nos termos do Edital n 011/2019 da UFS, sob os auspícios do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e do DDI, tendo sido aprovado, conforme homologação do concurso, no segundo lugar pela ampla concorrência e no primeiro lugar das cotas raciais (em conformidade com a Lei n 12.990/2014). Dado o resultado, foi empossado para a vaga o primeiro colocado. Em março de 2021, nova vaga, decorrente de aposentadoria, motivou o DDI a deliberar, por unanimidade, pela convocação de Ilzver de Matos a fim de que fosse empossado no cargo. Por meio de memorando, o DDI solicitou que as medidas de praxe para a efetivação do docente fossem tomadas pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP).
A decisão pela não convocação do docente para a vaga aberta originou-se no pedido de outro professor, lotado no Departamento de Ciências Contábeis da mesma instituição e que ostenta a condição de Presidente da “União de Juristas Evangélicos”, interessado, não por acaso, na mesmíssima vaga. O docente, que é Mestre em Direito, pleiteou em abril de 2021 abertura de edital interno de remoção, pretendendo a vaga de Ilzver de Matos.
Tanto o pedido quanto o memorando do DDI, que solicitava nomeação e posse de Ilzver de Matos, foram encaminhados pela PROGEP à Procuradoria Geral da UFS que na pessoa do Procurador Federal Paulo Celso Rêgo Leó e da Profa. Dra. Jussara Jacintho, relatora do processo, afirmaram a legalidade e o imperativo da convocação do candidato aprovado em concurso público, posicionando-se contrários à abertura de edital de remoção. Trata-se do entendimento manifesto em parecer, ignorado contudo pela maioria dos professores do DDI-UFS.
O feito, contextualizado, ganha condição ainda mais nefanda! O professor que requereu abertura de edital de remoção já foi Pró-Reitor de Extensão, não em tempos de normalidade institucional, mas de intervenção, quando da não nomeação do(a)s candidato(a)s vencedore(a)s da consulta pública para os cargos de reitor(a) e vice-reitor(a) daquela instituição.
Trata-se de decisão colegiada, tomada pela maioria do(a)s professore(a)s que compõem o Conselho de Departamento de Direito da UFS aos 28 de abril de 2021; mas que está longe de ser legítima, bem como, para um Departamento de Direito, espanta o fato de o ato vilipendiar o promontório das leis e as mais básicas concepções que deveriam animá-las. A medida é ilegal, além de ser avessa aos princípios da dignidade humana, da liberdade de consciência e da livre manifestação da identidade religiosa.
A decisão departamental prefigura arbitrariedade notável na Administração Pública, uma vez ter sido ferido o regramento jurídico e administrativo vigente, está eivada de racismo institucional e sua notável motivação é a comum intolerância religiosa que flagela o povo de terreiro desde há muito! Nega, desrespeita e violenta os princípios humanistas que deveriam ter na universidade pública sua mais guarnecida fortaleza, rasga as políticas afirmativas conquistadas a duras penas pelos movimentos sociais nas muitas lutas que tiveram, na universidade pública, importantes trincheiras.
Não basta repudiar, é preciso mobilizar!
Racismo, intolerância religiosa e fundamentalismo neopentecostal não terão lugar nem nas instituições de educação pública, nem na tão sofrida sociedade brasileira.
Trata-se de uma luta histórica, mas a história aos “de baixo” pertence!
Pela nomeação e posse imediatas de Ilzver de Matos!
Brasília(DF), 3 de maio de 2021.
Diretoria do ANDES-Sindicato Nacional