Há exatos 50 anos, o governo socialista e democrático do chileno Salvador Allende foi alvo de um sangrento golpe de Estado por parte das Forças Armadas do país, lideradas pelo general Augusto Pinochet com apoio do governo estadunidense. O país se juntava, então, a outros vizinhos latino-americanos, que estavam sob o controle de ditaduras, como era o caso do Brasil desde 1964.
O ataque daquela manhã de 11 de setembro de 1973 resultou na morte do presidente do Chile e em quase duas décadas de um governo autoritário, que restringiu direitos sociais e liberdades democráticas e foi responsável pelo assassinato, tortura e desaparecimento de mais de 40 mil pessoas.
A ditadura de Pinochet se caracterizou por destruir o sistema democrático, encerrar os partidos políticos, dissolver o Congresso Nacional, restringir direitos civis e políticos e violar direitos humanos básicos. No plano internacional, ficou marcada por integrar a Operação Condor, uma aliança entre ditaduras da América do Sul para reprimir opositores políticos, e pelo alinhamento com os Estados Unidos no contexto da Guerra Fria.
“Como todos nós sabemos, o dia 11 de setembro de 1973 marca um episódio triste na história do Chile, mas também na história da América Latina. O governo popular e socialista de Salvador Allende foi derrubado por um golpe fascista de militares, empresários e com um forte e indubitável apoio do imperialismo norte-americano. E começou para o Chile, mas também para a América Latina, e possivelmente em escala mundial, o ciclo do neoliberalismo. O neoliberalismo chegou no Chile, e no mundo, de mãos dadas com um governo fascista”, destacou Luís Acosta, 2º vice-presidente do ANDES-SN e encarregado de Assuntos Internacionais do Sindicato.
Foram 17 anos até que o Chile voltasse a ter eleições presidenciais e os militares deixassem o poder. Mas as heranças sombrias desse período continuam a se fazer presentes na sociedade chilena.
“O dia 11 de setembro é uma data de suma relevância para todas e todos nós que lutamos, não só por democracia, mas em respeito à autodeterminação popular, à tomada de rédeas do destino da vida e da política da parte de todos os povos. Esses cinquenta anos devem trazer à tona, inclusive nas lutas que nos colocamos no Brasil, a importância da defesa de memória, verdade, justiça e reparação pelas vítimas de todos os regimes de caráter ditatorial e de natureza empresarial- militar que ocorreram na América Latina”, afirma o presidente licenciado do ANDES-SN, Gustavo Seferian, que integra a Comissão Nacional da Verdade do Sindicato Nacional.
Após o fim do governo ditatorial, com a eleição do primeiro presidente civil em 1990, o Chile buscou avançar na luta por memória, verdade, justiça e reparação dos crimes cometidos durante o governo Pinochet. No entanto, o Brasil não vivenciou esse avanço em julgar e punir os crimes da ditadura empresarial-militar como foi feito em alguns países latino-americanos.
“Nós não tivemos de forma alguma a responsabilização efetiva dos agentes de Estado que praticaram crimes de lesa-humanidade contra a população brasileira, contra militantes sociais, contra trabalhadores e trabalhadoras, contra a população pobre de nosso país, que foi certamente a mais acometida pelas políticas de classe e de favorecimento à burguesia que se deram nesses governos. E uma Comissão Nacional da Verdade que proporcionou avanços tímidos, sem a possibilidade de revisão da Lei da Anistia, que interdita a possibilidade de uma lida efetiva com os casos mais diversos não só de mortes, torturas, prisões indevidas mas também o arrocho salarial, a precarização das condições de vida, a ação de grupos de extermínio, entre outras tantas formas de ação que esse desenho empresarial-militar proporcionou em nosso país”, explica Seferian.
Por isso, segundo presidente licenciado do ANDES-SN, é importante também marcar essa data no Brasil. “Tomar o exemplo do que foram essas experiências latino-americanas, dentre as quais o Chile, mas também a Argentina, também o Uruguai, que avançaram muito nas questões de justiça de transição, numa efeméride como essa, dos 50 anos do golpe orquestrado por Pinochet, pela agência imperialista estadunidense, pelo empresariado e pelos Chicago Boys no Chile, é algo que coloca a urgência de que políticas dessa natureza possam ser implementadas também no nosso país”, ressalta.
Dificuldades em superar as heranças de Pinochet
Apesar do Chile ter conseguido consolidar avanços na luta por memória, verdade, justiça e reparação das vítimas do governo ditatorial, as forças de extrema-direita vem ganhando espaço no país e o atual governo têm encontrado dificuldades para substituir uma Constituição no governo Pinochet, vigente até hoje.
Em outubro de 2019, grandes mobilizações populares resultaram na convocação de um plebiscito em 2020, em que 78,27% dos votos decidiram pela criação de uma nova Constituição superando, especialmente, as medidas neoliberais presentes no texto imposto pela ditadura de Pinochet.
Em 2021, Gabriel Boric, da coalizão “Frente Ampla”, venceu as eleições presidenciais e iniciou o mandato em 2022. Em setembro do ano passado, o texto da nova Constituição, considerada progressista por conter medidas como o reconhecimento de direitos reprodutivos, foi votado em um plebiscito marcado por uma virulenta campanha de setores de direita e rejeitado por 62% da população. A situação colocou o país em um novo impasse: ao se manter preso em normas e direitos definidos em 1980, a partir de preceitos neoliberais, não resolve entraves históricos que bloqueiam a efetivação de direitos sociais básicos, como um sistema de seguridade social público. Simbolicamente, também não consegue dar um passo importante para enterrar os vestígios da ditadura que assolou o país durante 17 anos.
“As marcas que esse governo fascista, que essa ditadura deixou no Chile, ainda estão presentes. Infelizmente, o governo que foi eleito para enfrentar esta marca, não tem conseguido avançar na reforma da Constituição, foi derrotado no plebiscito e agora enfrenta a possibilidade de fazer essa reforma com uma maioria de ultradireita. O governo tem tido enormes dificuldades de articulação política para poder avançar, para efetivamente encerrar esse ciclo do neoliberalismo, que se abriu com o golpe de 1973”, avalia Acosta.
*Com informações da Agência Brasil