Uma pesquisa inédita com mais de 21 mil lésbicas brasileiras, acima de 18 anos, de todos os estados foi publicada no dia 29 de agosto - Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Trata-se da primeira pesquisa demográfica do mundo voltada especificamente para a população lésbica.
O relatório da 1ª etapa do "LesboCenso: Mapeamento de Vivências Lésbicas no Brasil", realizada pela Associação Lésbica Feminista de Brasília - Coturno de Vênus e a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), tem como objetivo subsidiar, por meio dos dados, a formulação de políticas públicas em âmbito federal, estadual e municipal específicas para lésbicas.
O LesboCenso coletou informações sobre autoidentificação, trabalho, educação, saúde, relacionamentos, relações familiares e redes de apoio que as lésbicas e sapatões possuem nas diversas regiões do país. O formulário online foi aplicado entre 29 de agosto de 2021 e 30 de maio de 2022.
Autoidentificação
A maioria das que responderam ao questionário se autoidentificou como lésbicas (51.3%), sapatão (26.4%), mulher gay (3,8%), homossexual feminina (2,1%), entre outras denominações.
Em relação à expressão de gênero, as respondentes se identificaram mais com o padrão social de feminilidade (98,4%), e à identidade de gênero mais autodeclarada foi a cisgênero (85,2%), seguida de não binária (6,3%), agênero (1,1%) e pessoa trans (1%).
A média de idade das respondentes é de, aproximadamente, 30 anos. Em relação à raça/etnia, 33,5% se autoidentificou como negra (pretas e pardas) e 61,9% como branca. As respondentes residem, em sua maioria, em bairros de classe média (37,1%), zona central (23,9%) e em bairros periféricos (13,83%). Apenas 2,8% residiam na zona rural, 1,7% em favelas e menos de 1% em comunidades quilombolas e em aldeias indígenas.
As entrevistadas afirmaram que a renda familiar na época da pesquisa se concentrava entre R$ 2.001,00 e R$ 4.000,00 para 26,1% e de R$ 4.001,00 a R$ 8.000,00 para 23,6%.
No que se refere à religião, 36,4% responderam que não ter nenhuma religião, seguidas por 12,2% que disseram ser adeptas de religiões afro-brasileiras (candomblé/umbanda) e 11% da religião católica.
A pesquisa ainda revelou que 66,5% afirmaram que eram assumidas em todos os espaços e lugares de convívio e 31,6% em apenas alguns espaços e lugares de convívio. Entre os lugares em que não eram assumidas, destacam-se: família (28,2%), trabalho (21,%), instituição religiosa (17,7%), escola e universidade (16,4%) e amigas/amigues/amigos (15,3%).
Trabalho
Das mais de 18,5 mil entrevistadas que responderam se estavam trabalhando, 73,4% responderam que sim. Destas, 61.8% estavam trabalhando na sua área de formação. A maioria estava trabalhando com carteira assinada (37,1%) ou por conta própria/autônoma (21,5%). 26,6% não trabalhavam no momento da pesquisa.
As principais fontes de renda nos 30 dias anteriores à pesquisa relatadas foram: trabalho regular com carteira assinada (22,2%), trabalho por conta própria/autônoma (19,6%), família/parceira(e), amigas/amigues/amigos (13,8%) e trabalho regular sem carteira assinada (10,1%).
Lesbofobia
A maior parte das entrevistadas, 78,6%, já sofreu algum tipo de lesbofobia - intersecção entre a homofobia e o sexismo contra mulheres lésbicas - e conhecem quem já sofreu violência por ser lésbicas ou sapatão (77,3%). Cerca de 6,2% afirmaram conhecer alguém que morreu por ser lésbica ou sapatão.
Os tipos de atos lesbofóbicos mais destacados foram: assédio moral (31,3%), assédio sexual (20,8%) e violência psicológica (18,3%). Em relação às situações de violência, as que mais se destacaram foram: a interrupção da fala (92%), contato sexual forçado sem penetração (39,1%), impedimento de sair de casa (36,4%) e obrigadas a manter relações sexuais com penetração (24,7%). A rua foi o local onde, com maior frequência, ocorreu a lesbofobia (19,6%), seguida pela casa (14,6%) e local de lazer (11,9%).
No que se refere ao agente causador de violência, a família apareceu com 29,32%. As figuras da mãe (9,9%) e de outros familiares fora da família nuclear (8,3%) são os principais agentes de lesbofobia. Se considerarmos pessoas conhecidas e desconhecidas, apenas 21,2% eram desconhecidas.
Família
Ao serem perguntadas se tinham filhas, filhes, filhos, 9,7% afirmaram que sim. No que se refere a situações de lesbofobia durante a gestão, parto e puerpério, 9,6% afirmaram ter sofrido. Já em relação a situações de lesbofobia com filhas, filhes, filhos, 28% disseram que foram vítimas, sendo que os lugares onde a maioria das violências ocorreu foi: em espaços de sociabilidade (25,4%), seguida pela realização da matrícula na escola (16,1%) e do acesso à saúde (11,6%).
Saúde
O acesso à saúde das respondentes se dava majoritariamente pela rede privada (67,1%), sendo que 31,4% acessavam pela rede pública. Das respondentes, 72,9% relataram que possuíam medo, receio ou constrangimento de falar sobre sua sexualidade/orientação afetivo-sexual ou falar que é sapatão/lésbica em algum atendimento de saúde.
No que se refere à frequência que realizavam exames ginecológicos, 26% afirmaram que os realizavam sem regularidade, 12,5% nunca realizaram e 12,2% realizavam a cada dois anos. Essa situação pode estar relacionada ao fato de 24,9% terem relatado que se sentiram discriminadas/violentadas por serem lésbicas/sapatão em um atendimento ginecológico.
Em relação às ISTs/HIV/Aids, 14,8% afirmaram que já tiveram alguma infecção sexualmente transmissível (IST) e 37,2% nunca realizou o teste para vírus da imunodeficiência humana (HIV), tendo com principais motivos: não sabiam onde fazer (39,7%), acreditavam que, por serem lésbicas/sapatão, seria pouco provável terem sido expostas ao HIV (34,6%) e não queriam pensar sobre HIV ou HIV positivo (11%).
"A saúde se demonstrou como um espaço lesbofóbico, considerando que boa parte das lésbicas e sapatão entrevistadas relatou não se sentir confortável para falar sobre sua orientação sexual, além do desconhecimento em relação às ISTs/HIV/Aids. Situações que demonstram que ainda precisamos atuar fortemente na aproximação entre as usuárias e os equipamentos de saúde, fortalecendo a saúde pública e coletiva", diz a pesquisa.
Redes de apoio
Das respondentes, 6,4% participavam de algum coletivo, associação, grupo, sindicato, movimento social e/ou grupo de pesquisa. Apenas 36,3% desses coletivos, associações, grupos, sindicatos, movimentos sociais e/ou grupos de pesquisa eram focados em lésbicas e sapatão. Isso revela que a maioria das respondentes não era ativista e militante.
II LesboCenso Nacional
Os coletivos afirmam que nos próximos censos serão aprofundados aspectos que não foram possíveis nesta versão. E que, para o II LesboCenso Nacional, o desafio será acessar as lésbicas e sapatões que possuem pouco ou nenhum acesso à internet. "Situação que ficou evidente ao restringirmos a coleta de dados ao formato online nesta etapa em decorrência da pandemia de Covid-19", afirma o LesboCenso.