A Comissão para Implementação de Medidas de Memória, Verdade e Justiça na Universidade Federal de Pelotas (CMVJ) finalizou, na primeira semana de setembro, o relatório de recomendações para a cassação dos títulos de Honoris Causa concedidos pela instituição a pessoas que fizeram parte do núcleo central da ditadura empresarial-militar brasileira. Tais figuras foram responsáveis, direta ou indiretamente, de graves violações de direitos humanos no decorrer do período entre 1964 e 1985.
A CMVJ foi formada após o envio de um memorando do Ministério Público Federal (MPF) para a instituição, no final do ano passado. No documento, o MPF pedia esclarecimentos sobre quais tinham sido as ações da universidade, até o momento, voltadas à memória do período da ditadura e se havia concedido honrarias ou títulos honoríficos a pessoas vinculadas ao regime para, sendo o caso, justificar o que seria feito a partir disso.
Durante quatro meses, de maio a setembro deste ano, o grupo ficou responsável por fazer uma análise profunda da conveniência e dos motivos que levaram à concessão dos títulos, após o golpe que deu origem à ditadura no Brasil e em um cenário marcado por medidas semelhantes em outras instituições de ensino superior.
Os trabalhos da Comissão originaram um documento que foi entregue à reitoria, recomendando a cassação dos títulos de Honoris Causa de Jarbas Gonçalves Passarinho e Emilio Garrastazu Médici. Além disso, segundo o professor do Departamento de Sociologia e Política e presidente da CMVJ na UFPel, Carlos Artur Gallo, foi recomendado que a instituição busque implementar outras medidas voltadas à memória, à verdade e à justiça, pois não há informações precisas sobre todas as pessoas, vinculadas à universidade, atingidas pela repressão, nem dados compilados sobre estudantes perseguidos e até mesmo desligados.
Conforme Gallo, a Comissão dialoga com os acontecimentos recentes, de tentativa de golpe de Estado e uma conjuntura política tumultuada, e também serve para sinalizar, hoje, o que se espera em termos de universidade pública, democracia e direitos humanos.
Próximos passos
O relatório já foi entregue ao gabinete da reitoria e circula entre os departamentos antes de ser apreciado pelas instâncias superiores da UFPel: Conselho Diretor da Universidade Federal de Pelotas (Condir) e Conselho Universitário (Consun).
“Elas [instâncias] vão avaliar o documento que produzimos e, quando se reunirem, provavelmente mais para o final deste ano, vão se pronunciar a respeito das nossas recomendações, seja votando e aprovando ou seja também rechaçando elas pelos motivos que acharem convenientes, porque isso não compete a nós como Comissão. Claro, nós fizemos as recomendações e gostaríamos que elas fossem atendidas, mas não temos nenhuma prerrogativa e não é uma decisão vinculante a nossa”, explicou Carlos Gallo.
Reparação histórica
De acordo com o professor, a universidade pública tem o dever de resguardar os valores que a própria sociedade quer ver alcançados. “Se nós defendemos discursivamente democracia e direitos humanos, não podemos ser coniventes com a manutenção de uma homenagem que é destinada a pessoas que são responsáveis por violações”, afirma.
Ele reforça a importância do papel desempenhado pela Comissão em um momento tão emblemático. “Fico bastante orgulhoso de ter podido fazer parte da equipe que trabalhou a respeito desse tema e de podermos fazer essa recomendação para as instâncias superiores da Universidade, sobretudo porque estamos há poucos meses dos 60 anos do golpe de 64. Inclusive é simbólico. A Universidade Federal de Pelotas terá essa oportunidade histórica de poder se manifestar”, pondera.
Nomes para cassação
O relatório aponta dois nomes de ditadores para a cassação dos títulos: Jarbas Gonçalves Passarinho e Emilio Garrastazu Médici.
O coronel Passarinho participou da articulação do golpe de 64 e foi autor da conhecida declaração de apoio ao AI-5, considerado o mais duro instrumento de repressão da Ditadura, do qual foi um dos 17 signatários. Foi governador do Estado do Pará, ministro do Trabalho, da Educação, da Previdência Social e da Justiça, além de presidente do Senado Federal.
Emilio Garrastazu Médici foi o 28º Presidente do Brasil, o terceiro do período da ditadura brasileira, entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974. Ao longo do seu governo, o regime militar atingiu seu pleno auge, com controle das poucas atividades políticas toleradas, proibição da manifestação de opiniões contrárias ao sistema, repressão e reforço à censura às instituições civis. Foi um período marcado pelo uso sistemático de meios violentos como tortura e assassinato. Seu período na presidência ficou conhecido historicamente como “Anos de Chumbo”.
Indicação segue modelo de outras instituições
Em abril de 2021, o Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) cassou o de Jarbas Passarinho. Em setembro do mesmo ano, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi a segunda a revogar o título dado também ao coronel Passarinho. Em agosto de 2022, foi a vez do Conselho Universitário (Consun) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a revogar as homenagens aos ditadores Arthur da Costa e Silva e Emilio Garrastazu Médici.
Comissão da Verdade da Adufpel SSind.
No dia 18 de maio, docentes aprovaram a instalação da Comissão da Verdade da Associação de Docentes da Ufpel (Adufpel – Seção Sindical do ANDES-SN). A partir da reativação do Grupo de Trabalho de História do Movimento Docente (GTHMD), ela foi instituída com o propósito de fazer um levantamento em história oral para registrar e denunciar os impactos dos fatos perpetrados contra docentes durante a ditadura empresarial-militar e trabalhar para a cassação de títulos Honoris Causa concedidos a ditadores.
Fonte: Assessoria de Comunicação Adufpel SSind. com edição do ANDES-SN