O estado do Amazonas enfrenta uma grave crise ambiental com o aumento das queimadas e a seca dos rios, afetando drasticamente a vida da população. Os 62 municípios do estado decretaram emergência e, de acordo com a Defesa Civil, mais de 461 mil pessoas já foram afetadas. Em meio à crise ambiental e social, a comunidade acadêmica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) enfrenta desafios que afetam a saúde, o meio ambiente e a economia.
No Alto Solimões, Sudoeste Amazonense, onde está localizado o Instituto de Natureza e Cultura (INC) da Ufam, no município de Benjamin Constant, a população tem sofrido com fumaças originadas de outros locais e não da própria cidade, mas a seca é o fator mais agravante no cotidiano. Para o Serviço Geológico do Brasil (SGB), há 65% de probabilidade de o rio Solimões chegar à menor cota já observada no ponto de monitoramento da região, que é Tabatinga, com números abaixo da marca de -86 cm referente à 2010.
A docente do INC, Célia Virgínia, informa que as "catraias", pequenas embarcações de madeira utilizadas no transporte fluvial, já estão enfrentando dificuldades para realizar deslocamentos entre cidades vizinhas, como Tabatinga e Benjamin Constant, ou para outros municípios. Além disso, o preço de produtos essenciais disparou, como o garrafão de água de 20 litros, que agora custa R$25,00 em Benjamin Constant, e em Atalaia do Norte passou a ser vendido por R$30,00.
O professor Solano Guerreiro, também docente no INC, ressalta que a estiagem atual é uma das maiores registradas na região, impactando a logística de transporte de mercadorias, encarecendo ainda mais os produtos. Nos relatos, a carne vermelha e a gasolina são alguns dos produtos que ficaram mais caros.
Ao registrar o trajeto fluvial de Benjamin Constant até Tabatinga, o estudante de Administração no INC, Thiago Bitencourt, observou que há pontos em que é possível atravessar andando, onde antes passava o rio.
Docentes e estudantes relataram que no município de Humaitá, localizado no sul do estado, onde está o Instituto de Educação, Agricultura e Meio Ambiente (IEAA) da Ufam, os impactos têm sido devastadores.
Desde agosto, a fumaça causada pelas queimadas encobre a cidade. O estudante de Engenharia Ambiental, Del Belfort, afirmou que a situação tem se agravado devido à falta de chuvas. Belfort destaca que a região sul do Amazonas é desassistida em relação à capital, agravando a crise de saúde.
"No mês de setembro só choveu uma vez, de forma branda. Crianças e idosos sofrem muito, o hospital já está lotado e por isso os mais jovens nem buscam mais atendimento médico", relatou o estudante.
A seca também está impactando o escoamento de produtos da agricultura familiar, como na região de Manicoré, próxima a Humaitá. A logística de transporte de mercadorias está prejudicada, com vários trechos sendo percorridos a pé em áreas secas e arenosas, o que tem elevado os preços de alimentos como farinha e banana nos mercados locais.
A professora Ermita Rodrigues, também do instituto, disse que Humaitá vive uma situação inédita de poluição, com dias cinzentos e baixa visibilidade. "Alunos e servidores enfrentam dificuldades respiratórias, e atividades como aulas de educação física ao ar livre têm sido canceladas", lamenta.
Além disso, há discentes do turno noturno do IEAA que trabalham em escolas rurais/indígenas durante o dia e que dependem do transporte fluvial e acabam sendo prejudicados. A fumaça também tem causado cancelamentos de voos e compromete a segurança de quem tenta viajar pela BR-319, por causa da baixa visibilidade na estrada.
“Embora tente-se a todo custo levar uma vida dita ‘normal’, há dias que não há como. Frequentemente, recebe-se relatos de colegas com dor de cabeça, enxaqueca, dificuldades respiratórias, que aliados a problemas pré-existentes, apresentam um agravamento ainda maior. A seca e as queimadas são problemas ambientais com os quais somos obrigados a conviver e que nos afetam diretamente, dada a sua complexidade, não conseguimos vislumbrar em ter controle e apontar soluções, pois não são problemas novos, apenas uma reiteração de que estamos fadados a uma finitude que também perpassa por estas questões”, ponderou a docente Laura Miranda, que atua no IEAA.
Em Humaitá, diariamente é emitido um boletim de previsão de tempo para a região centro-sul do Amazonas, elaborado pelo grupo de Pesquisa Interação Biosfera Atmosfera na Amazônia (GPIBA) e o Laboratório de Tempo e Clima (LabTeC), coordenado por Juliane Querino e Carlos Querino, docentes do IEAA. Nos últimos dias, a informação é de que o rio continua baixando, qualidade do ar extrapolando o limite de péssimo.
Segundo o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Amazonas foram registrados mais de 20 mil focos de incêndios florestais, sendo que três municípios estão entre os dez com mais incidências de focos, sendo: Apuí, Lábrea e Novo Aripuanã. Os dados foram calculados considerando os focos de incêndio registrados de 1º de janeiro a 18 de setembro.
Em Itacoatiara, localizada na região metropolitana da capital Manaus, o docente Wagner Gomes, que atua no Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia (Icet) da Ufam, disse que em 2023 a situação em sua cidade foi muito pior com o impacto das queimadas, porque ocorreram incêndios próximos da região, o que ainda não aconteceu este ano. “O céu da cidade amanhece ‘esbranquiçado’, mas não chega a ser sufocante como no ano passado”, afirmou o docente, acrescentando que quanto à seca, o rio está baixando bem rápido.
“As comunidades estão começando a perder o acesso à cidade por barco. Um dos grandes problemas enfrentados é a falta de portos adequados para desembarque de pessoas e mercadorias. O porto que foi feito pelo DNIT desabou no ano passado e está inoperante desde então”. Em Itacoatiara, além do acesso por estrada, três portos são utilizados: Jauari e Centenário, ambos no rio Amazonas (sendo o último já inoperante), e o porto do Piquiá, no rio Urubu, que está em más condições de uso.
Em Manaus, a fumaça é perceptível, comprometendo a respiração e afetando diretamente o bem-estar psicológico da comunidade acadêmica, incluindo docentes, estudantes, técnicas e técnicos da Ufam. Devido a isso, faculdades já haviam suspendido atividades ao ar livre devido à poluição do ar.
Diante da grave situação provocada pela seca e pelas queimadas, a Administração Superior da Ufam decidiu, pela segunda vez, suspender as aulas presenciais no período de 19 a 21 de setembro. A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) adotou a mesma medida, suspendendo as aulas presenciais na capital e nos municípios do interior nos dias 19 e 20 de setembro, em resposta aos impactos da crise ambiental.
Fonte: Adua SSind, com edição e acréscimo de informações do ANDES-SN