Embora as universidades estaduais paulistas tenham saído do pacote de maldades, projeto traz duros ataques ao serviço público do estado de SP
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) concluiu, na quarta-feira (14), a votação do projeto de lei 529/2020, suprimindo itens do substitutivo aprovado na terça-feira. A exclusão das partes destacadas recebeu 73 votos, e não houve votos a favor da sua manutenção.
Quatro órgãos públicos cuja extinção estava prevista no texto original serão preservados: Fundação para o Remédio Popular (FURP), Fundação Oncocentro (FOSP), Instituto de Terras (Itesp) e Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc).
O confisco de verbas das três universidades estaduais – USP, Unesp e Unicamp - e da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp) foi suspenso, e também serão mantidos os recursos do Fundo Especial de Despesa da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Fepom) e do Fundo Estadual de Segurança Contra Incêndios e Emergências (Fesie). As modificações no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) não vão ocorrer, e um projeto de lei específico sobre o tema deverá ser enviado à Alesp pelo governo de São Paulo.
O substitutivo aprovado mantém a autorização para a extinção de seis órgãos públicos: Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp), Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Instituto Florestal (IF) e Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Além disso, o Instituto de Botânica e o Instituto Geológico serão fundidos numa única instituição.
O confisco dos fundos do Tribunal de Justiça (TJ-SP), Tribunal de Contas (TCE-SP), Defensoria Pública estadual e Ministério Público (MPE-SP) foi mantido. Também está autorizada a concessão à iniciativa privada de unidades de conservação e de parques públicos estaduais em várias regiões, entre eles o Villa-Lobos e o da Água Branca, na capital paulista.
O PL 529 reduz benefícios fiscais, atingindo as alíquotas inferiores a 18% do ICMS, e muda os critérios de isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para pessoas com deficiência, terminando ainda com as alíquotas diferenciadas para veículos de locadoras ou movidos a álcool, gás e eletricidade. Além disso, foi aprovada a securitização da Dívida Pública, ou seja: o governo poderá vender, no mercado, as dívidas de contribuintes para com a Fazenda estadual.
Os servidores contribuintes do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) vão pagar bem mais pelos serviços de saúde: usuários acima de 59 anos (titulares e agregados) passam a pagar 3%; usuários abaixo de 59 anos (titulares e agregados), 2%; dependentes acima de 59 anos, 1%; dependentes abaixo de 59 anos, 0,5%. Acumulados, tais percentuais implicarão um desconto muito maior que o atual no holerite do servidor ou servidora.
O PL cria, ainda, um Programa de Demissão Incentivada (PDI) para servidores públicos de autarquias, secretarias, Procuradoria-Geral do Estado e universidades públicas, caso manifestem interesse em aderir. Em ofício encaminhado ao Fórum das Seis em setembro, os reitores da USP, Unesp e Unicamp afirmaram que “as universidades não têm interesse nem disponibilidade orçamentária e financeira para aderir a este programa”.
As entidades que se uniram contra a aprovação do PL 529, assim como os parlamentares que se opuseram ao projeto na Alesp, consideram que a proposta aprovada se traduzirá, pelo contrário, em menos serviços públicos, novos prejuízos e aumento da precarização para a sociedade.
Na avaliação de Paulo Cesar Centoducatte, diretor da Adunicamp Seção Sindical do ANDES-SN e coordenador do Fórum das Seis – que reúne representação dos docentes e técnicos das três universidades, apesar da retirada do confisco do fundo das universidades do projeto, o resultado da votação “foi muito ruim para o serviço público.”
Centoducatte chama a atenção para novas lutas que vão exigir o engajamento das entidades do serviço público na Alesp, como a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, que retira mais de R$ 400 milhões da Fapesp. “No orçamento do Estado para o ano que vem, o único órgão sobre o qual é aplicada a desvinculação de receitas é a Fapesp. Não existe outra aplicação dessa desvinculação, criada para os estados e municípios a partir da Emenda Constitucional 93/2016”, aponta.
Outra frente de luta é a reforma administrativa enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020. “Temos que continuar firmes contra a reforma administrativa e manter a unidade que conseguimos criar na Frente Paulista em Defesa do Serviço Público para travar essas e outras batalhas que estão por vir”, afirma.
Michele Schultz Ramos, 1ª vice-presidente da Adusp Seção Sindical do ANDES-SN, valoriza igualmente a forte articulação do funcionalismo público registrada no decorrer do processo. “Desde que o PL 529 foi enviado à Alesp, a Adusp se engajou na luta contra o projeto. De pronto, localizamos as arbitrariedades contidas no PL e passamos a defender que o projeto fosse rejeitado na íntegra, diferentemente da posição adotada pelos reitores das universidades estaduais paulistas que trabalharam, desde o início, com a perspectiva de ‘salvar’ somente as universidades e a Fapesp, ressalta.
De acordo com a docente, a intensa mobilização de várias entidades representativas, apoiadas por alguns parlamentares da oposição, foi fundamental para a conscientização da extensão do ataque proposto pelo governador João Doria, em meio à pandemia. “Embora tivéssemos muitas dificuldades de mobilização por conta da pandemia, conseguimos reunir mais de 70 entidades que compõem a Frente Paulista em Defesa do Serviço Público”, afirma.
Não fosse a atuação persistente da Frente, pondera Michele, “as perdas seriam ainda maiores e não teria havido mínima reflexão sobre o conteúdo e dimensão do ataque, uma vez que o governo apresentou o projeto em regime de urgência e usou de todos os estratagemas possíveis para minar o debate público”. A união das entidades em torno da Frente permanecerá nos embates já anunciados, diz ela: “o projeto da LOA na Alesp, que confisca verbas da Fapesp e, no âmbito federal, a PEC 32 — da reforma administrativa — que ataca frontalmente os serviços, servidoras e servidores públicos. A luta continua!”, conclui.
*Fonte: Adusp SSind.
Com edição e inclusão de informações ANDES-SN