O grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro encaminhou, na terça-feira (8), uma carta aberta à reitoria e à comunidade acadêmica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A entidade de direitos humanos, fundada em 1985, critica a criminalização da luta do movimento estudantil, a judicialização em vez do diálogo e a autorização da entrada do batalhão de choque da polícia militar do RJ na universidade.
O grupo reivindica ainda que a reitoria se responsabilize pelos ocorridos nos últimos meses na instituição. “As narrativas sobre o processo são múltiplas, entretanto, alguns fatos que consideramos inadmissíveis nos preocupam”, afirma a carta.
O grupo ressalta que deslegitimar a luta é em si um ato autoritário. Criminalizar o movimento ultrapassa “todos os limites de uma tradição democrática nas universidades públicas, duramente conquistada e ainda mais arduamente mantida”.
Para o Tortura Nunca Mais-RJ a reitoria, ao optar pela judicialização para lidar com a ocupação estudantil, em vez de dialogar com o movimento, entregou a autonomia da universidade ao poder judiciário e ao governo do estado. “É inadmissível que uma reitoria opte por abrir mão da autonomia. Essa autonomia não é da gestão. Ela é da instituição, de toda a comunidade acadêmica e, mais ainda, do povo”, alerta.
“Como consequência desse ato, temos o terceiro absurdo, tornado ápice desse processo trágico, que é o uso da repressão policial, com o batalhão de choque entrando na universidade, depredando, espancando e prendendo estudantes e até mesmo, jornalistas e um deputado. O Batalhão de Choque é um dos órgãos mais violentos de uma polícia que está entre as mais violentas do país, atuando na repressão à movimentos de rua e mesmo nas favelas cariocas”, continua o documento.
A entidade ainda destaca a preocupação com a possibilidade de clima de perseguição e vigilância na universidade, “inclusive com o provável uso indevido da segurança patrimonial como órgão de vigilância política pelos corredores da universidade”. “Essa situação pode, ainda, abrir mais espaço para que outras forças oportunistas se aproveitem da situação de fragilidade para implementar ainda mais políticas nocivas à universidade”, acrescenta.
Por fim, além de reivindicar que a reitoria se responsabilize pelos ocorridos nos últimos meses, o grupo solicita que a gestão da Uerj “faça uma retratação pública sobre a política de fragilização da autonomia universitária e sobre o uso da violência policial para repressão do movimento de ocupação; abra diálogo com os setores mobilizados; retire todos os processos contra ativistas e militantes (5 estudantes e 1 servidor técnico-administrativo); estabeleça políticas de reparação aos danos materiais e de saúde física e mental aos atingidos pela repressão policial e jurídica; estabeleça mecanismos de acompanhamento dessas ações pelos três setores mobilizados da universidade, não apenas através de suas representações de classe, com a possível participação de entidades da sociedade civil organizada convidada pelos mesmos”. Confira aqui a carta.
Entenda
No dia 20 de setembro, o Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro entrou na Uerj para cumprir a reintegração de posse, com uso de força policial, solicitada pela Reitoria e acatada pela Justiça, encerrando a ocupação estudantil que ocorria na instituição desde o dia 26 de julho. Três estudantes e o deputado federal Glauber Braga (PSol/RJ) foram detidos e retirados do local por um ônibus do Batalhão dentro da Uerj, sendo liberados posteriormente.
A ordem foi expedida pela juíza Luciana Losada Albuquerque Lopes, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que, por não ter sua primeira decisão acatada para a desocupação da Reitoria, emitiu nova ordem, por solicitação da Procuradoria Geral da Uerj, com uso de força policial, além de multar estudantes nominados na ação de reintegração.
A ocupação estudantil era um protesto contra a edição do Ato Executivo de Decisão Administrativa (Aeda) 38/2024, e outros atos administrativos posteriores, que promovem mudanças nas regras para concessão de bolsas e auxílios de assistência estudantil, prejudicando um número significativo de alunas e alunos da Uerj. Ao longo do movimento, a ocupação estudantil também se estendeu ao Pavilhão João Lyra Filho, principal prédio do campus Maracanã. Na época, as aulas na universidade foram suspensas.
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