A cidade de São Luís (MA) recebeu, de 7 a 10 de dezembro, o VII Encontro de Comunicação e Arte e o II Festival de Arte e Cultura, do ANDES Sindicato Nacional. Os eventos reuniram docentes e profissionais de comunicação das assessorias das seções sindicais e do ANDES-SN. O objetivo foi debater o papel da Comunicação na luta contra o Capital e seus ataques à classe trabalhadora e, também, como inserir a cultura e a arte no despertar da classe trabalhadora, permitindo trocas e compartilhamentos de experiências e vivências.
Os eventos, organizados pelo Grupo de Trabalho de Comunicação e Arte (GTCA) do Sindicato Nacional e sediados pela Apruma e Sinduema (seções sindicais do ANDES-SN), ocorreram nas universidades Federal do Maranhão (Ufma) e Estadual do Maranhão (Uema).
O primeiro dia, quinta-feira (7), iniciou com uma reunião das assessorias de comunicação, para tratar dos desafios da comunicação sindical, das condições de trabalho e realizar o debate inicial do Plano Geral de Comunicação do ANDES-SN. Logo depois, diretores e diretoras do Sindicato e das seções sindicais se somaram à discussão e, em seguida, iniciaram-se as mesas de debate.
Lutas contra-hegemônicas
O VII Encontro de Comunicação e Arte proporcionou debates importantes para a construção de novos caminhos para a luta. A mesa “Mídias, comunicação e lutas contra-hegemônicas: Velhos e novos autoritarismos” contou com a participação do jornalista Emílio Azevedo, da Agência Tambor - mídia contra-hegemônica e independente do Maranhão. Ele destacou que o veículo se utiliza de narrativas do ponto de vista das populações afetadas pelo Capital, para se contrapor às mídias hegemônicas.
Um dos casos relatados pelo jornalista ocorreu em abril do ano passado, com o assassinato da liderança quilombola de Jacarezinho, Edvaldo Pereira Rocha, que lutava pela titulação de seu quilombo no município de São João do Sóter (MA). A região é alvo de latifundiários. Azevedo contou ainda que o Maranhão sofre com o avanço do agronegócio e da mineração. “O Maranhão é apenas um lugar de exploração para estes grupos econômicos”, disse.
Guilherme Bonan, da Cajuína Filmes, destacou os efeitos das big techs (gigantes da tecnologia), que são grandes empresas que detêm o monopólio no mercado de tecnologia e inovação, como a Alphabet (Google), a Amazon, a Apple, a Microsoft e a Meta. A presença dessas empresas no dia a dia da população, por meio das redes sociais, dos sites de compra e dos dispositivos eletrônicos portáteis produzidos por elas, é preocupante, conforme Bonan. “As big techs não são neutras, como alegam ser, por conta do seu modelo de negócio e da falta de transparência nos algoritmos, uma vez que as buscas [nas plataformas] podem ser manipuladas, assim como denúncias em massa contra determinado conteúdo", afirma o profissional.
Segundo Cristiano Engelke, da direção da Aprofurg – Seção Sindical do ANDES-SN, são grandes os desafios para refrear a narrativa neoliberal. Para ele, é necessário uma comunicação que rompa com a “lógica desdemocratizante, autoritária e fundada na razão neoliberal” incentivada e normalizada pela mídia hegemônica. O docente defendeu o “fortalecimento das redes de comunicação contra-hegemônicas, que reforcem a construção coletiva e a transformação social de forma democrática e plural”.
Extrema direita, privatização e precarização
No segundo dia de debates (8), na mesa “Extrema direita, privatização e precarização das políticas de cultura e arte”, contou com Antônio Câmara, docente da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que atua na área de Sociologia da Arte. O docente fez um resgate histórico da concepção da Arte sob a perspectiva de diferentes filósofos do Século XX.
Câmara acredita que a Arte não pode estar em acordo com o Estado, com o Capital e a sua reprodução, mas sim deve servir como elemento importante para se compreender a situação atual. “O artista tem que ter independência e ter autonomia para se posicionar”, afirmou. Para o docente, a extrema direita tem se apropriado de movimentos de cultura e de grupos artísticos, “se organizando de forma estética, tentando reconstruir o modelo burguês e agregando os ressentidos, que se apoiam em um discurso autoritário”.
Bruno Bispo, docente da Universidade de Pernambuco (UPE), mostrou como as políticas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) impactaram negativamente a Cultura, entre 2019 e 2022. Foi o caso da “cota de tela”, criada em 2001 para garantir uma cota de exibição para filmes brasileiros nos cinemas. Com validade expirada em 2021, não houve substituição do regramento pelo ex-presidente. Esse vácuo, explicou Bruno Bispo, privilegiou ainda mais as produções estadunidenses. Dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), de 2023, apontam que 104,6 milhões de brasileiros foram aos cinemas do país no corrente ano. Destes, 97,8% consumiram filmes estrangeiro, e apenas 2,2% produção brasileira. Os filmes produzidos nos Estados Unidos da América predominam nos rankings brasileiros de público. “Temos consumido a perspectiva estadunidense de mundo”, alertou.
Já a palestrante Luisa Maria da Fonseca, docente do curso de Artes Visuais da Ufma, falou sobre a precarização das condições de trabalho em sua universidade. “Precisamos parar de romantizar a docência artística, que o professor consegue, ou daria conta de ensinar, sem as condições básicas de ensino. Faltam insumos e materiais básicos. Essa precarização torna instáveis todas as outras condições, o que acaba afetando a produção de arte. São práticas que precisam ser repensadas dentro desse ninho colonial”, destacou.
Com o fim da mesa, na etapa seguinte, foram realizadas oficinas de arte, como a Cianotipia, processo de impressão fotográfica em tons azuis; Maquiagem Artística Drag Queen, como uma forma de expressão; Arteterapia, uso de técnicas de arte criativa com a finalidade terapêutica; Gravura Xilográfica, técnica de gravura em madeira; e Teatro do Oprimido, que utiliza o teatro como ferramenta de trabalho político por meio de interação democrática e cooperativa entre os participantes.
À tarde ocorreram as oficinas de comunicação, entre elas, a realização de um podcast (conteúdo em áudio, disponibilizado através de um arquivo ou streaming), dramaturgia para ouvir, introdução à linguagem audiovisual, vídeo-minuto e comunicação sindical.
Políticas de Comunicação
“Políticas de Comunicação como forma de fortalecimento da luta sindical: Desafios para a atualização do plano de comunicação do ANDES-SN” foi o tema da mesa do terceiro dia (9) do VII Encontro de Comunicação e Arte.
Luiz Henrique Schuch, docente aposentado da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e que esteve à frente da construção do Plano Geral de Comunicação do ANDES-SN entre 2010 e 2011, contextualizou as razões da criação do Plano, como a percepção de um potencial político na comunicação e a necessidade da disputa de conteúdo em mídias hegemônicas.
Para Schuch, passados mais de dez anos da aprovação do Plano, ainda permanecem como desafios o diálogo com o público vinculado à academia e com a população em geral; a promoção de um jornalismo com linha editorial, fatos jornalísticos e matérias de fôlego, por parte do sindicato e suas seções; o aperfeiçoamento da linguagem com a superação dos jargões internos, siglas, duração das falas/abordagens e repetição de personagens; ampliação das relações de comunicação com outras organizações de trabalhadoras e trabalhadores; investimento em produção de imagens, vídeos, infográficos, charges; e articulação de estratégias para ampliar o alcance nas redes sociais, com a atuação de diretoras e diretores no compartilhamento do material publicado.
César Beras, da coordenação do GTCA, apresentou o resultado do último levantamento, feito em 2021 pela diretoria do Sindicato, sobre a comunicação nas seções sindicais do ANDES-SN acerca da estrutura, do pessoal e do fluxo de trabalho nas assessorias. A última pesquisa havia sido realizada em 2011. Os resultados atuais revelaram que o período da pandemia da Covid-19, época em que foi feita a coleta de dados, impôs muitas limitações sobre o trabalho e atuação da comunicação das seções sindicais. Por outro lado, houve um aumento significativo do uso de mídias sociais nas seções, assim como de canais de vídeo. E, ainda, o crescimento do compartilhamento dos materiais jornalísticos do ANDES-SN.
Na avaliação de Caroline Lima, da coordenação do GTCA, o atual plano de comunicação do Sindicato Nacional é resultado de uma disputa política construída em outro momento e se faz necessária a sua atualização. A diretora do ANDES-SN apontou como prioridade aprofundar o debate sobre o uso de software livre, instituída como política no sindicato, a relação com as atuais plataformas de comunicação e pensar numa comunicação contra-hegemônica.
“Temos que pensar efetivamente na construção de espaços de diálogo, rede e troca de experiências entre as equipes de comunicação das seções sindicais e os diretores da pasta e, também, pensar na realidade das seções sindicais que ainda estão se consolidando e não têm ainda condições de montar uma equipe de comunicação”, apontou. Ela ressaltou a importância de uma política de comunicação para chegar às não sindicalizadas e aos não sindicalizados. “Precisamos fazer uma grande campanha de sindicalização. A luta não morreu nesse país, os movimentos sociais estão vivos e se sindicalizar é fortalecer essa luta e também uma forma de responder à crise que estamos vivendo hoje”, disse.
Após as mesas, as e os participantes se reuniram em grupos de discussão, para debater propostas de atualização do Plano de Comunicação.
Encaminhamentos
No domingo (10), ocorreu a Plenária Final em que foi apresentada a síntese dos grupos de discussão, reunidos no dia anterior, acerca do Plano Geral de Comunicação do ANDES-SN aprovado em 2011, durante o 30º Congresso do Sindicato Nacional, em Uberlândia (MG). Diretoras, diretores das seções sindicais e do ANDES-SN, docentes da base e profissionais de Comunicação das assessorias contribuíram para a atualização desse Plano.
O encaminhamento será avaliado pela coordenação do GTCA e transformado em Texto de Resolução (TR) que será avaliado pelas e pelos docentes no 42º Congresso do ANDES-SN, realizado no próximo ano em Fortaleza (CE).
“O Encontro do GTCA tem um saldo bastante positivo por ter acumulado discussões, realizadas em conjunto por diretores sindicais e profissionais da comunicação, que nos orientam para a construção de uma política de comunicação contra-hegemônica, que cumpra o papel essencial de qualificar de maneira crítica o debate feito por docentes no enfrentamento aos interesses do grande Capital”, avaliou Letícia do Nascimento, da coordenação do GTCA do Sindicato Nacional.
II Festival de Arte e Cultura do ANDES-SN
A arte como um poderoso instrumento de resistência é parte importante da luta anticapitalista. Esse foi o tom do II Festival de Arte e Cultura do ANDES-SN. A programação incluiu produções artísticas do movimento docente, como a exposição fotográfica “Errâncias Impossíveis”, de Ceane Simões, docente da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), apresentações culturais, teatrais e performáticas, além da exibição de documentários produzidos pelas seções sindicais do ANDES-SN.
Uma das principais manifestações culturais do Maranhão, o bumba meu boi embalou docentes e profissionais da comunicação após os debates do primeiro dia de atividades (7). O Boi Unidos de Santa Fé, com 35 anos completados neste ano, é considerado um dos grupos mais tradicionais de sotaque da Baixada do estado, região localizada no norte do Maranhão.
O grupo encantou o público com o brilho e as cores de seus personagens, com a dança, as canções e a percussão. A tradição é a expressão máxima dos festejos juninos no Maranhão e de devoção aos santos juninos, que mobilizam promessas e marcam datas comemorativas no estado. O boi foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural do Brasil, em 2011.
Outra grande manifestação cultural do estado fez parte da programação do segundo dia do II Festival de Arte e Cultura, na sexta (8). O Tambor de Crioula Catarina Mina se apresentou nas ruas do centro histórico de São Luís. A expressão de matriz afro-brasileira envolve dança circular de mulheres, canto, percussão de tambores e tem forte ligação com São Benedito, santo de devoção de suas e seus brincantes. Recebeu a titulação de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, em 2007, e teve seu título revalidado pelo Iphan, em 2021.
A luta das mulheres negras ficou marcada nas performances teatrais apresentadas no sábado (9). “Mulher Guerreira”, de Luana Lopes, contou a história de Catarina Mina, mulher negra escravizada, vendedora de quitutes, que com o dinheiro do seu trabalho e boas articulações conseguiu comprar sua alforria e de amigos. A outra apresentação, “Poemas de ontem, hoje e amanhã”, contou um pouco da ancestralidade e resistência de mulheres que por gerações são exploradas e vitimadas pelo racismo que reverbera até os dias atuais. A atuação ficou por conta de Jéssica Sousa e Amanda Laryssa, ex-alunas do Colégio de Aplicação (Colun) da Ufma, e integrantes do Grupo de Teatro Entrecena - composto por estudantes e ex-estudantes do Colun.
O evento contou ainda com a exibição dos documentários “Fantástico em Cametá”, de Yasmim Yonekura, docente da Universidade Federal do Pará (Ufpa); "Desafios Insulares", um projeto piloto da Adufpa SSind, com a direção do professor Leonardo Zenha e da jornalista e multiartista Priscila Cobra; e também de uma versão reduzida do documentário de 40 anos da Apruma SSind, uma produção de Tamires Morais, da assessoria da seção, e do docente Murilo Santos.
O II Festival de Arte e Cultura do ANDES-SN se firmou como espaço para troca de conhecimentos e vivências, além de debates sobre o papel da arte e da cultura na emancipação da classe trabalhadora.
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