Mais de uma centena de cientistas e pesquisadores de todo o país, representando diversas entidades, sociedades, academias e instituições, participaram do movimento #cienciaocupabrasília. Organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciência (ABC), o movimento realizou atividades na capital federal na quarta (8) e quinta (9). O ANDES-SN esteve presente na mobilização, defendendo o financiamento público para a ciência e a tecnologia públicas.
Na quarta pela manhã, os pesquisadores e cientistas participaram de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara. A audiência teve a presença de Marcos Pontes, ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
No final da tarde, foi realizado, na Câmara dos Deputados, o lançamento da “Iniciativa de C&T no Parlamento – ICTP.br” e em defesa da ciência brasileira. A ICTP.br é coordenada pela SBPC e ABC, além de outras entidades, como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Na noite de quarta-feira, o movimento se reuniu com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.
Lançamento da ICTP.br
O lançamento da iniciativa lotou o plenário 13 da Câmara. A mesa foi presidida pelo deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA). Muitos parlamentares, a maioria da oposição, fizeram uso da palavra para defender a importância de investimento em ciência e tecnologia. Os cortes e contingenciamentos foram bastante criticados pelos presentes.
Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), chegou a afirmar que “não imaginava que momentos piores viriam”. Luis Davidovich, da ABC, disse que a “perplexidade [em relação aos cortes] dará lugar à indignação e à resistência”.
Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e representante da Andifes, ressaltou que o orçamento das universidades federais depende exclusivamente da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ela também afirmou que, ao contrário do que diz Bolsonaro, os investimentos em educação básica e educação superior não são excludentes.
Manuelle Matias, vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), citou a importância das mobilizações que estão sendo preparadas para o dia 15 de maio. Na próxima quarta, será realizada a Greve Nacional da Educação. A greve reivindicará a reversão dos cortes de orçamento e de bolsas.
Caroline Lima, 1ª secretária do ANDES-SN, afirma que o Sindicato Nacional esteve presente no lançamento por entender a importância da pauta. “Nessa conjuntura de ataques, na qual a extrema-direita coloca a pauta moral e conservadora como projeto, a educação pública é a área mais atacada. Reduzir o orçamento e cortar bolsas demonstra como esse governo desrespeita a educação e a produção científica. A conjuntura hoje é anti-ciência. O governo se movimenta para boicotar a soberania nacional, a produção científica e as instituições públicas que produzem conhecimento. Todo e qualquer espaço de resistência é um espaço em que o ANDES-SN deve estar”, comenta.
Maurício Silva, 1º vice-presidente da Regional Planalto e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia (GTCT) do ANDES-SN, também esteve no lançamento. “A iniciativa é importante. A SBPC defendeu aqui o financiamento público da ciência e tecnologia”, avalia.
Reunião com o ministro
Na manhã da quinta-feira, foi realizada uma reunião fechada com o ministro Marcos Pontes. À tarde, a reunião foi aberta e contou com a participação do Sindicato Nacional. Em sua intervenção, Qelli Rocha, 1ª vice-presidente do ANDES-SN, reivindicou a reversão dos cortes de orçamento e de bolsas e defendeu o financiamento público da ciência e da tecnologia.
“Há a necessidade da recomposição do investimento na ciência e na tecnologia. Os cortes implicam na paralisia dos projetos de pesquisa e no desmantelamento dos programas de mestrado, doutorado e iniciação científica. Causam enorme prejuízo para toda a sociedade brasileira”, afirmou a docente. Qelli ressaltou a importância da revisão do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, pois ele consolida uma visão mercadológica da produção científica. Por fim, a 1ª vice-presidente do ANDES-SN defendeu a necessidade de realização de concursos públicos.
O debate foi marcado por intervenções duras e cobranças fortes ao ministro Marcos Pontes. O próprio ministro, em sua fala, defendeu a importância da realização de concursos públicos. Pontes foi criticado pelas posições do governo, especialmente do presidente Jair Bolsonaro, de atacar as ciências sociais e humanas.
O ministro também teve que ouvir, diversas vezes, que o presidente erra ao afirmar que a maior parte da produção científica e tecnológica brasileira vem de instituições privadas. Segundo dados da Andifes, a rede pública representa cerca de 95% da produção de pesquisa do país.
Outra crítica bastante repetida foi à fuga de cérebros, também chamada na ocasião de “diáspora científica”. Diante da falta de orçamento, bolsas e infraestrutura, muitos docentes, pesquisadores e estudantes de pós-graduação têm decidido deixar o país para seguir carreira acadêmica. Foi ressaltada a irreversibilidade desse processo, e também que muitos dos que ficam no país acabam entrando em depressão pela situação caótica das universidades e centros de pesquisa.
Da reunião com o ministro, surgiu a sugestão de que Pontes organize um encontro entre o movimento e o presidente da república. Representantes de entidades científicas acreditam ser possível “sensibilizar” Bolsonaro quanto à importância da ciência e da tecnologia.
Ao final da reunião, Marcelo Morales, da Secretaria de Políticas para Formação e Ações Estratégicas (SEFAE) do MCTIC, respondeu às críticas ressaltando projetos do ministério que ele considera positivos. Um deles é o “Ciência nas Escolas”, com o qual o governo busca a realização de parcerias público-privadas, além do “Projeto Genoma” para potencializar a agroindústria. Morales também defendeu a política de Ensino à Distância (EaD) da Capes.
Corte em C&T
A mobilização é uma reação aos cortes orçamentários às áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação públicas. Em 29 de março, o governo publicou o decreto 9.741 que contingenciou R$ 29,582 bilhões do Orçamento Federal de 2019.
O Ministério da Educação perdeu R$ 5,839 bilhões. Já a pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação foi afetada em R$ 2,158 bilhões. Com o congelamento de 42,2% das despesas de investimento, o MCTIC ficará com apenas R$ 2,947 bilhões do total das despesas discricionárias.
Na quarta-feira (8), também foi anunciado o corte de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foram suspensas todas as bolsas que estavam temporariamente sem uso.
ANDES-SN na luta
Historicamente, o Sindicato Nacional defende a Educação, Ciência e Tecnologia públicas e denuncia os sucessivos cortes nos orçamentos dessas políticas sociais. Entre outras ações, o Sindicato Nacional intensificou a luta pelas revogações da EC 95/16 e da Lei 13.243/16, do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. Essas legislações reduziram os investimentos primários do governo e precarizaram o trabalho de docentes e pesquisadores nas Universidades e Centros de Pesquisa públicos do país.
Para saber um pouco mais sobre a posição do ANDES-SN acerca do financiamento da ciência e tecnologia, vale a pena ler a cartilha "Crise de financiamento das universidades federais e da C&T públicas".
Nela, está demonstrado que os investimentos em C&T sofreram uma redução significativa a partir de 2013, retornando, em 2017, aos patamares de 2005. A gravidade dos cortes na área se expressa no fato de, em 2017, os recursos corresponderem praticamente apenas à metade dos daqueles realizados em 2013. Para o ANDES-SN, o corte imposto com o decreto 9.741 irá inviabilizar a pesquisa pública e produção de conhecimento no país.
No 38º Congresso do Sindicato Nacional, os docentes reafirmaram a necessidade de intensificação do trabalho de base e das lutas relativas ao financiamento público para a política de ciência e tecnologia públicas.