Programa Mais Professores para o Brasil é uma maquiagem e não valoriza a profissão

Publicado em 17 de Janeiro de 2025 às 18h34. Atualizado em 17 de Janeiro de 2025 às 18h39

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Ministro da Educação, Camillo Santana, apresentaram na última terça (14) o programa Mais Professores para o Brasil. De acordo com o governo, “a iniciativa reúne ações integradas para promover a valorização e a qualificação dos professores da educação básica, assim como incentivar a docência no país”.

Imagem gerada com ferramenta de IA

O programa é estruturado em cinco eixos: seleção para o ingresso na docência; atratividade para as licenciaturas; alocação de professores; formação docente; e valorização. No entanto, nenhum desses eixos promove uma mudança estrutural que garanta a real e efetiva valorização da docência, com melhoria nos salários, nas condições de ensino e aprendizagem, nos planos de carreira e na infraestrutura das escolas.

Essa é a crítica apontada por Raquel Dias, 1ª vice-presidenta do ANDES-SN e da coordenação do Grupo de Trabalho de Política Educacional da entidade. “O programa Mais Professores é muito limitado e não tem relação com aquilo que a gente poderia chamar de valorização da docência. E nem tem relação com aquilo que se propõe”, analisa.

Seleção
A proposta do governo é a realização de uma Prova Nacional Docente (PND), realizada anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Estados e municípios poderão utilizar a PND em seus processos de seleção de professores. Docentes interessados se inscrevem diretamente no Inep. 

Segundo a diretora do ANDES-SN, essa não é uma proposta nova, e já foi criticada anteriormente pelo Sindicato Nacional. Em 2011, o segundo governo Lula publicou decreto para implementar a Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente, que iria subsidiar a contratação de docentes para a educação básica das unidades da federação e municípios, que aderissem à avaliação. No entanto, o projeto não foi efetivado.

Raquel alerta que, assim como a proposta anterior, a PND tem a mesma lógica de padronização dos exames de larga escala, além de ter relação direta com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a BNC-Formação, que é um currículo comum para formar professores.

“Você tem uma prova nacional docente que estabelece regras comuns para a contratação de professores, a partir de uma base comum, tem a ver com essa padronização geral da formação dos professores, segue essa mesma lógica da padronização curricular. Isso é ruim, porque você desconsidera as particularidades culturais de cada região do país, de cada estado, de cada município, em que pese a necessidade de haver elementos comuns do currículo, a base comum. Mas isso acaba desconsiderando essa diversidade cultural e regional de um país tão grande como o Brasil”, explica.

Atratividade
Com o argumento de atrair novos docentes, o MEC instituiu o programa Pé-de-Meia Licenciaturas, um bolsa mensal de R$ 1.050, durante o período regular de integralização do curso. Desse total, o estudante pode sacar, mensalmente, R$ 700. Os outros R$ 350 serão depositados como poupança e poderão ser sacados após o professor ou a professora, recém-formado, ingressar em uma rede pública de ensino, em até cinco anos depois da conclusão do curso.  As bolsas serão pagas a estudantes 
com nota igual ou superior a 650 pontos no Enem e que ingressarem em curso de licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social.

Raquel ressalta que o auxílio é destinado a estudantes que escolham cursos de licenciatura tanto na rede pública quanto privada, o que vai ampliar o repasse de recursos públicos para a iniciativa privada por meio dos dois programas de transferência de dinheiro da União para as empresas de educação – Fies e Prouni. Outra questão apontada pela diretora do ANDES-SN é que a medida valoriza apenas o ingresso no curso e não na profissão, uma vez que não tem qualquer impacto positivo para o exercício do magistério.

“Estudantes não querem fazer licenciatura porque a licenciatura é desvalorizada, o magistério é desvalorizado. Essa bolsa, assim como o restante do programa, não é uma valorização da profissão. Não há uma valorização do salário, da carreira, das condições de trabalho. Não há um investimento nesses três aspectos. Não há nenhum investimento, nos cinco itens do programa, no piso salarial nacional dos professores. Nada que faça referência a uma valorização da carreira, de planos de cargos e carreira, por exemplo que sejam criados onde não existam, que planos existentes sejam reestruturados, que a carreira seja valorizada. Não há nenhum desses cinco itens que tratem, por exemplo, das condições de trabalho dos professores, da infraestrutura das escolas”, denuncia. “O governo faz uma maquiagem naquilo que chama de valorização dos profissionais”, acrescenta.

A coordenadora do GTPE levanta ainda o questionamento sobre onde será aplicado o dinheiro destinado aos estudantes e que não poderá ser utilizado durante, pelo menos, quatro anos – tempo de duração médio de uma formação em licenciatura. “Esses 350 reais vão ficar guardados, mas não numa caixa. Provavelmente, serão especulados no mercado financeiro. Então, é uma forma, também, de destinar recurso do fundo público para a especulação de capital”, critica.

Alocação
Outra bolsa criada foi a Mais Professores, que dará apoio financeiro para incentivar o ingresso de docentes nas redes públicas de ensino da educação básica e aumentar a atuação em regiões com carência docente. O participante receberá uma bolsa mensal no valor de R$ 2.100, além do salário do magistério, pago pela rede de ensino que estará vinculado. Além disso, durante o período da bolsa, o professor deverá cursar uma pós-graduação lato sensu com foco em docência.  

Assim como o Pé-de-meia, ressalta Raquel Dias, a bolsa Mais Professores não incide no problema estrutural da falta de infraestrutura adequada, de condições de trabalho ruins e, muitas vezes, inseguras, baixos salários e carreiras desestruturadas. “O programa não se refere a pagamento de salários mais decentes. São apenas penduricalhos”, afirma.

Formação
Para a formação de professores, o MEC criou um portal com informações centralizadas sobre cursos referentes às formações inicial e continuada, bem como às pós-graduações ofertadas pelo MEC e por instituições parceiras, inclusive privadas. De acordo com o governo, a plataforma tem o objetivo de fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil do docente.  

A diretora do ANDES-SN ressalta que apenas a criação de um portal com informações não garante que os professores e as professoras terão tempo e condições para acessar os cursos. Novamente, o governo não apresenta nenhuma medida estrutural como licença para formação, redução de carga horária, melhoria salarial e planos de carreira que, inclusive, garantam o reconhecimento pela formação continuada.

Valorização
No item valorização, a proposta do MEC prevê apenas uma parceria com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, para disponibilizar benefícios exclusivos, como um cartão de crédito sem anuidade. Além disso, mediante parceria com o Ministério do Turismo, o governo pretende oferecer descontos de até 10% em diárias de hotéis, inclusive em períodos de grandes eventos ou feriados. 

Não há qualquer menção de propostas que efetivamente valorizem a categoria e profissão do magistério. Apenas medidas que podem levar ao maior endividamento das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação, sem ao menos aumentar sua renda e seu poder de consumo. “Ter condições de consumo significa o quê? Não é ter um cartão de crédito com condições diferenciadas, mas ter condições, inclusive, de pagar pelo consumo. Como ele vai pagar o cartão de crédito se o salário não foi melhorado? Como vai poder pagar as viagens, que ele teve desconto em hotel, se o salário continua defasado?”, questiona Raquel.

A docente lamenta que, em vez de investir, de fato, na valorização e no reconhecimento do papel social dos profissionais, o governo adote medidas que não têm qualquer relação com a valorização da docência e que ainda ampliam a transferência de recursos para o mercado financeiro.

“A valorização passa necessariamente pela melhoria do salário, respeitando, principalmente, o piso salarial. O piso significa melhoria do salário e melhoria da carreira, das condições de trabalho, porque o piso prevê a melhoria do salário, prevê, no texto, carga horária para o planejamento das atividades de aula. E os governos, principalmente municipais, não respeitam a Lei do Piso. E as medidas do governo federal não trazem qualquer sinalização no sentido de pressionar para que a legislação seja cumprida”, diz.

A diretora do Sindicato Nacional aponta ainda que outro aspecto ignorado pelo governo Lula e que teria impacto na valorização do magistério é a implementação de uma gestão democrática das escolas. “Professores estão diante de gestões que são extremamente autoritárias, vivem cotidianamente sob condições de assédio moral, com seus gestores e gestoras. Então, a valorização, o reconhecimento do papel social dos professores passam também por uma gestão democrática da escola. A própria sociedade precisa enxergar o professor e a professora como agente da produção e reprodução do conhecimento, como figura essencial para a formação de quaisquer outros profissionais. Precisamos resgatar o valor social dos professores e das professoras. Infelizmente, não há nada no programa do governo que aponte para isso”, conclui.

Em nota divulgada nesta sexta-feira (17), o ANDES-SN reforça que “a valorização dos(as) professores(as) requer investimento na formação inicial e continuada, na carreira, no salário, nas condições de trabalho. As ações do Programa Mais Professores para o Brasil não incidem sobre aspectos e nem constituem políticas permanentes que visem valorizar o exercício da docência. Portanto, não podemos comemorar ações que são meros paliativos para problemas que tem natureza histórica!”. Acesse aqui a nota.

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