Em dezembro, as cidades de Rio Grande e São José do Norte, no Rio Grande do Sul, receberam o II Seminário Regional Sobre Impactos dos Projetos de Mineração. A atividade foi organizada pelo Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA) do ANDES-SN e pela Regional RS do Sindicato Nacional. O seminário contou com o apoio das seções sindicais gaúchas do ANDES-SN. O seminário reuniu também pescadores e pesquisadores do tema.
Leia aqui a Carta de São José do Norte, fruto do seminário.
Abertura
Na mesa de abertura do seminário, a representante do GTPAUA, Roseli Rocha, parabenizou a organização do evento. Ela sublinhou os imensos desafios para o ANDES-SN e suas seções sindicais, no próximo ano, especialmente a partir de um cenário político adverso.
Cristiano Engelke, presidente da Associação dos Professores da Universidade Federal do Rio Grande (Aprofurg – Seção Sindical do ANDES-SN), também destacou a importância do trabalho do GTPAUA da Aprofurg-SSind. A seção sindical já vem há bastante tempo se debruçando sobre os impactos dos projetos de mineração.
Jaqueline Durigon, diretora da Aprofurg-SSind e integrante do GTPAUA local, ressaltou a importância do segundo seminário. Lembrou que ele dá prosseguimento aos debates que iniciaram no primeiro seminário de mineração, em junho de 2017, em São Lourenço do Sul (RS). Comentou que o que se coloca hoje é uma disputa de conceitos: o que é o agro? O que é o alimento, que se transformou em mera mercadoria? O que é a soberania popular? E a soberania nacional?
Bolsonaro quer transformar país em área de “plena mineração”
Na mesa “Panorama da mineração no Brasil”, o membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Márcio Zonta, afirmou que os Estados Unidos e a China lideram uma nova “corrida ao ouro” em caráter mundial. Corrida em busca de minerais que são fundamentais para sustentar a ‘revolução tecnológica’. E essa revolução não pode ser feita sem minerais básicos, assim como o agronegócio precisa, por exemplo, do potássio.
Zonta, que pesquisa os conflitos na mineração, disse também que o capital global busca com urgência novas áreas para extrair riquezas. E o governo de Jair Bolsonaro vê a possibilidade de incrementar a economia do país, transformando o Brasil em área de “plena mineração”.
“Plena mineração”, segundo Márcio Zonta, é seguir exemplos do que foi feito no Chile. Desrespeitando ou aniquilando a legislação ambiental, permitindo a mineração em áreas indígenas, quilombola ou junto a populações tradicionais. Zonta vai ainda mais longe. Para ele, os projetos para mineração na metade sul do RS poderão resultar em um colapso ambiental e cultural da região.
Depois falou Adenisia Sena, pescadora da região de São Mateus (ES) e integrante do Movimento Nacional de Pescadores e Pescadoras (MPP). Ela falou sobre os efeitos do vazamento da lama tóxica da barragem da Samarco, em Mariana (MG). A lama chegou até o Espírito Santo, destruindo vidas humanas, animais, e vegetação pelo caminho.
Logo que começou falar, a trabalhadora pediu que todos os presentes dedicassem um minuto de silêncio para lembrar as mortes resultantes da tragédia da Samarco. “A vontade é de chorar”, disse Adenisia. Ela também denunciou que as mineradoras, através do seu poder econômico, fazem diversas promessas às comunidades próximas aos empreendimentos, mas depois não cumprem. Ainda em tom de denúncia, a capixaba ressaltou que o Brasil está vivendo um momento de “grande angústia”. Os pescadores artesanais correm cada vez mais riscos de perder suas identidades, a partir da expulsão de seus territórios, após a implantação de projetos de mineração.
Elenice Coutinho, do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), centrou sua exposição na análise no Programa Nacional de Mineração. Segundo ela, o documento foi elaborado de forma participativa, mas na grande maioria por entidades ou empresas interessadas em explorar o serviço de mineração. Isso fez com que fossem ignorados setores que têm posição crítica. Segundo ela, há várias fases da exploração da mineração no Brasil, e atualmente, estaríamos passando para o “estágio 3”. Esse estágio, na prática, significa a expansão para as terras da Amazônia legal.
Professor compara projetos de mineração a “colonialismo interno”
Em seguida houve a conferência “Mineração: educação do campo e conflitos territoriais na região de Carajás. Quem falou foi Haroldo de Souza, docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Segundo ele, existem atualmente quatro mil conflitos latentes no país. Eles podem explodir a qualquer momento a partir do que se pretende implementar em termos de projetos de mineração.
Souza explicou que Carajás é a província de exploração mineral mais antiga do país. A mineração vem desde o início da década de 80, com a extração de cobre, ouro, entre outros produtos. A novidade mais recente é o Complexo S11-D, em Canaã dos Carajás, que vai explorar a serra sul. A extração de minério de ferro teve sua produtividade duplicada, com um grau de pureza que ultrapassa 70%, afirmou o professor. “Praticamente é só tirar o minério e embarcar no porto”, enfatizou Haroldo de Souza.
Na análise do professor da Unifesspa, a resistência aos projetos destrutivos de mineração precisa existir. Contudo, há muitos obstáculos a serem enfrentados. O poder econômico é extenso e dinâmico. “A articulação ocorre em diferentes escalas, com a cooptação dos diferentes sujeitos pelas estratégias coercitivas econômicas e de responsabilidade social corporativa”, destacou Haroldo de Souza.
Entre essas estratégias, ele cita a aliança das mineradoras com as elites locais, a desconstrução dos sujeitos locais. Também a gestão da informação e o “apagamento dos sujeitos e dos conflitos”. Em última instância, ainda existe a “pistolagem moderna”. Ou seja, se necessário, pode-se recorrer à força bruta para “convencimento” dos contrários.
Chileno relata contaminação ambiental e casos de câncer por efeito da mineração
Ricardo Díaz Cortés, professor e presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente de Antofagasta, no Chile, também falou no seminário. A cidade de Antofagasta, no Chile, ficou muito famosa no final dos anos 80 quando dos debates para a criação do Mercosul. Região portuária, ela serviria de corredor de exportação para produtos do mercado comum do cone sul.
O chileno fez relatos a respeito do alto de grau de contaminação tóxica no solo, no ar e na água da região. Isso se dá por conta do uso do porto para exportação de concentrado de cobre, extraído através da mineração. Conforme Cortés, em razão da contaminação, a região tem a de maior incidência de casos de câncer quando comparada a outras localidades do país.
Para ele, a situação sobre os efeitos da mineração é tão séria que, na opinião dele, a população de Rio Grande deveria estar em peso no debate. Segundo o presidente da comissão de Antofagasta, há um discurso que procura colocar em destaque a relação direta entre mineração e geração de emprego e riqueza. No entendimento de Cortés, a pergunta que todos deveriam responder é: de que adianta ter emprego, dinheiro, carro novo, se não tiver vida?
Quando se fala nos efeitos perniciosos dos projetos de mineração, como o rompimento de uma barragem da Samarco, o que se percebe é o silenciamento. A mídia comercial, por exemplo, acaba por deixar cair no esquecimento. Para Geovani Teixeira, do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Água e Saneamento do RS (Sindiagua), existem causas que explicam esse silêncio midiático.
Segundo ele, a dona da Samarco é a Vale, que possui uma associação com a Bradespar, que é uma construção do grupo Bradesco com a Globobar (Rede Globo). Portanto, diz Teixeira, dificilmente os veículos das organizações Globo mostrarão o alto nível de contaminação da água e do solo na região de Barcarena (PA). Ele lembra, ainda, que uma das empresas que explora mineração na região, a Hidro Alunorte, é apenas uma testa de ferro de multinacionais.
“Como isso rebate em nossas vidas?”. Esse foi o questionamento do professor Sergio Barcellos, da área de Sociologia do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade de Rio Grande (Furg). Também docente do programa de pós-graduação em educação ambiental, Barcellos partiu dos depoimentos que mostram a gravidade dos projetos de mineração e seus efeitos ao ambiente e às populações.
O questionamento se dá em cima de dados. Segundo Barcellos, existem 162 empreendimentos solicitando licença para explorar a mineração no Rio Grande do Sul. Desses, três apenas na região da chamada metade sul do RS. Assim como Antofagasta, o porto de Rio Grande seria o grande canal para que desaguassem os minérios de extraídos.
Quilombola reclama da falta de consulta prévia às comunidades
Na mesa “Impactos socioambientais na mineração” houve a participação de Mariglei Dias de Lima, professora em Rosário do Sul (RS). Ela também é representante de uma comunidade quilombola no Comitê de Povos e Comunidades Tradicionais do Bioma Pampa. Ela afirmou que o decreto federal nº 6040, de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), garante que, antes da instalação de projetos de mineração, esses povos e comunidades sejam ouvidos. Entretanto, não é isso que tem ocorrido.
As comunidades tradicionais, que segundo Mariglei, nunca são consultadas, no caso do Bioma Pampa são diversas. Fazem parte delas etnias como os negros de quilombos, os pomeranos, os indígenas, benzedeiras (e benzedores), e até mesmo produtores de pecuária familiar. Há importantes assentamentos de reforma agrária na região que serão atingidos por esses grandes empreendimentos. Eles precisam, diz ela, ser ouvidos e respeitados, já que possuem uma identidade com as regiões que serão afetadas por esses projetos de mineração.
Gerhard Overbeck, professor de Botânica e Ecologia da UFRGS, destacou a diversidade biológica do bioma Pampa. Ressaltou que os campos dessa região, por exemplo, são resilientes ao fogo, porém, não são resistentes a distúrbios mais profundos no solo. E a mineração, destacou ele, é o distúrbio mais forte possível. Para o pesquisador, que trabalha com a recuperação de áreas degradadas, o que ocorre nos locais de exploração do subsolo para a obtenção de minérios é de extrema violência para o ambiente, com efeitos extremos ao ecossistema.
Marlon Pestana, arqueólogo e professor da Universidade de Rio Grande (FURG), disse que no Brasil viveram cerca de cinco milhões de indígenas. Mas que o único vestígio de muitos desses povoamentos são os sítios arqueológicos. No entendimento do pesquisador, as usinas hidrelétricas e os projetos de mineração ameaçam a diversidade amazônica e também os sítios arqueológicos. Ele lembra que, com a tragédia da Samarco, em Minas Gerais, houve a destruição de três mil sítios arqueológicos.
Edição de ANDES-SN com informações de Aprofurg-SSind e Adufpel-SSind. Imagens de Sedufsm-SSind e Adufpel-SSind.
Fonte: Sedufsm-SSind