Ataques neoliberais e construção da unidade na defesa da Educação são destaques na segunda mesa de informes do III Congresso Mundial

Publicado em 18 de Novembro de 2024 às 17h31.

A segunda mesa de Informes Nacionais do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação trouxe relatos contundentes sobre os impactos devastadores das políticas neoliberais nos sistemas educacionais de diversos países. Coordenada por Gustavo Seferian, presidente do ANDES-SN, Luz Palomino, do Coletivo Outras Vozes na Educação, e por Zully Cuellar López, da Universidade Sul-Colombiana, a mesa destacou como a austeridade e as reformas educacionais neoliberais têm aprofundado desigualdades sociais e prejudicado milhões de estudantes, trabalhadoras e trabalhadores da educação.

Delegações do Paraguai, México, Peru, Venezuela e participações da Espanha, França e Itália apresentaram denúncias de precarização, ataques aos sindicatos e imposição de modelos pedagógicos que priorizam a lógica do mercado em detrimento da formação crítica e cidadã. Os informes reforçaram a importância da articulação internacional para resistir a essas ofensivas e defender a educação pública como um direito essencial.

Neofascismo e desmonte de direitos: o alarmante relato da delegação paraguaia
A delegação paraguaia trouxe ao III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, realizado de 11 a 16 de novembro no Rio de Janeiro, um panorama desolador sobre o impacto das políticas neoliberais no país. Sob a liderança de Santiago Peña, do Partido Colorado, o Paraguai enfrenta o que os representantes descreveram como um governo de extrema direita, com traços de "neofascismo no auge" e heranças do regime autoritário de Alfredo Stroessner.

Roberto Villalba Isfrán destacou que o governo Peña tem aprofundado uma agenda antipopular, alinhada a organismos internacionais, como o FMI, Banco Mundial e BID. Essa política, que avança sob influência da narcopolítica e de grupos mafiosos, já resultou na aprovação de sete leis em tempo recorde, sem qualquer debate público.

Outro ponto de preocupação é a chamada "lei garrote," que restringe a capacidade de mobilização e protesto no país, além da iminente reforma trabalhista que completa o pacote neoliberal de desmonte.

Apesar do cenário adverso, Villalba relatou uma nova experiência de organização entre os trabalhadores. Frente à traição de grandes centrais sindicais, que firmaram acordos com o governo para aprovar leis como a da superintendência dos fundos de pensão, surgiram novas frentes sindicais e sociais. Esses grupos têm articulado ações conjuntas, incluindo a realização de coletivos pedagógicos e oficinas com trabalhadores da educação, culminando na criação de uma proposta estratégica para o setor educacional.

Essa proposta, construída em diálogo com o II Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, foi levada ao governo como um contraponto às políticas neoliberais impostas.

Sara López denunciou a precarização da educação e a censura imposta por portarias governamentais. Desde 2007, é proibido, no Paraguai, abordar temas como ideologia de gênero, diversidade e multiculturalidade em sala de aula. Segundo ela, os últimos dois anos foram particularmente devastadores, com medidas neoliberais sendo aplicadas de maneira acelerada e sem precedentes.

López também ressaltou o papel da desinformação promovida por grupos políticos ligados à elite financeira, que minam avanços sociais e destroem direitos conquistados, especialmente no campo da educação.

Encerrando sua fala, López fez uma denúncia contundente contra centrais sindicais tradicionais, acusando-as de terem traído a classe trabalhadora ao apoiar a privatização do sistema de aposentadorias. A aprovação dessa medida, que ocorreu em apenas 11 minutos, é um exemplo claro do avanço do neoliberalismo no Paraguai.

México: o desmonte sindical e as condições de trabalho
O relato da delegação mexicana mostra que, no México, a autonomia universitária foi utilizada como ferramenta pelo governo e pelas reitorias para dissolver o sindicato nacional existente, enfraquecendo a capacidade de organização das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação. Sara López classificou essa prática como uma "autonomia feudal", que impede a rearticulação da categoria.

A situação é agravada pela precarização salarial: professores, os profissionais da educação mais mal pagos no México, pediram um aumento de 100% nos vencimentos. Entretanto, o governo mantém mecanismos constitucionais que reduzem o valor das aposentadorias e preserva o regime de privatização das pensões.

Além disso, trabalhadoras e trabalhadores enfrentam um sistema que privilegia a competitividade meritocrática, desvaloriza contratos coletivos e enfraquece os sindicatos. A Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) tem exigido do governo mudanças estruturais, como a democratização dos sindicatos e o rompimento com práticas que precarizam ainda mais o setor.

O atual governo de Claudia Sheinbaum Pardo, sucessora de Andrés Manuel López Obrador, é descrito como uma gestão de "continuidade neoliberal". Mesmo com maioria parlamentar, o governo não reverteu reformas que restringem direitos trabalhistas e privatizam a educação.

Embora apresente avanços em algumas áreas, como a incorporação de pedagogias críticas e métodos de educação popular, o governo continua inserindo metodologias neoliberais nos currículos escolares. Essa dualidade demonstra a dificuldade de romper com estruturas e sistemas implantados por gestões anteriores, apesar das condições políticas favoráveis.

Em resposta ao cenário de fragmentação, sindicatos e trabalhadores da educação têm buscado formas de resistência. Durante o VII Congresso Nacional da Coordenação Nacional dos Sindicatos Universitários, da Educação Superior, Investigação e Cultura, o foco principal será a rearticulação da categoria para refundar um sindicato nacional, com uma perspectiva internacionalista de luta.

Os representantes da delegação expressaram pesar pelas declarações de López Obrador e Claudia Sheinbaum a banqueiros, celebrando que seus governos foram os que mais proporcionaram lucros ao setor financeiro. Esse discurso, somado à implementação de programas sociais que gerem contenção em vez de emancipação, reforça o caráter de continuidade neoliberal das gestões atuais.

Outro problema trazido ao III Congresso é a dificuldade de negociação com o governo Sheibaun, que se resume a uma escuta por parte da administração, porém, sem resoluções.

Neoliberalismo e resistência: os desafios à Educação no Peru
Durante a mesa dos Informes Nacionais no III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação, representantes do Sindicato Unitário de Trabalhadores em Educação do Peru (Sutep) destacaram os intensos desafios enfrentados pela Educação no país, em meio a décadas de políticas neoliberais.

Hector Sinche Crespin enfatizou que, mesmo com sua extensa base de 320 mil associados, o Sutep enfrenta constantes tentativas de invisibilização e deslegitimação por parte dos governos. Entidades paralelas alinhadas ao governo são criadas para enfraquecê-lo, mas o sindicato se mantém firme e atuante ao longo de seus 52 anos de existência.

A chegada do neoliberalismo ao Peru, com o governo de Alberto Fujimori em 1990, trouxe ataques diretos aos sindicatos. Líderes foram acusados de corrupção e traição, mas as acusações não se sustentaram, e o Sutep seguiu resistindo. Durante a pandemia, a entidade adaptou suas estratégias, fortalecendo negociações com o governo e ampliando o diálogo com o Congresso Nacional.

Uma vitória importante da luta sindical foi a mudança na Constituição herdada do governo Fujimori, que definia a educação como um serviço pago. Hoje, a Constituição reconhece a Educação como um direito fundamental, obrigando o Estado a investir no mínimo 6% do PIB no setor.

Outra conquista significativa foi a ampliação da Compensação por Tempo de Serviço (CTS), que passou de US$ 2.500 para US$ 24.000, graças à mobilização do SUTEP para alterar a base de cálculo.

Críticas ao enfoque competencial: um reflexo do neoliberalismo
Benito Alfredo Velasquez Acosta, também do SUTEP, criticou os currículos educacionais baseados no enfoque competencial, que reforçam a lógica neoliberal. Segundo ele, essa abordagem promove uma visão individualista da sociedade, deslocando problemas estruturais do Estado e do modelo econômico para o indivíduo.

“O enfoque competencial apresenta o empreendedorismo como solução, mas nega as raízes sistêmicas do problema, como o capitalismo. Não há evidências de que isso melhore a aprendizagem”, apontou.

Crise na Educação e Direitos Humanos na Venezuela

Da Venezuela, Luis Bonilla trouxe ao III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação a informação sobre a realidade educacional e social, expondo um cenário devastador. A denúncia revela o impacto das políticas neoliberais que, embora tenham sido combatidas em alguma proporção durante o governo de Hugo Chávez, retornaram com força sob Nicolás Maduro, marcando uma ruptura no projeto bolivariano.


Bonilla apontou que durante o governo de Chávez (1998-2013), a Venezuela experimentou um projeto de inclusão social e educacional sem precedentes. A Revolução Bolivariana priorizou o acesso às escolas, integrando milhões de crianças e adultos ao sistema educacional. Entretanto, a transformação estrutural da educação, como a revisão de métodos pedagógicos e a criação de propostas alternativas de ensino, avançou de forma limitada.

Chávez liderou um governo policlassista que, apesar de suas contradições, enfrentou o neoliberalismo de forma aberta, buscando reduzir desigualdades e fortalecer os direitos sociais. No entanto, com sua morte em 2013, esse projeto começou a desmoronar.

Maduro: um governo neoliberal disfarçado de esquerda
Sob Nicolás Maduro, segundo o informe, o discurso de continuidade bolivariana foi acompanhado por medidas neoliberais que agravaram a crise social e educacional no país. Relatórios recentes apontam que 74% dos professores abandonaram seus cargos e que até 75% da infraestrutura escolar está deteriorada. Os salários médios de professoras e professores caíram para valores simbólicos, variando entre US$ 2 e US$ 10 mensais, enquanto o salário mínimo nacional é de apenas US$ 3 por mês.

Medidas coercitivas unilaterais impostas por potências estrangeiras foram denunciadas como criminosas, mas os problemas internos, como má gestão e corrupção, já estavam presentes antes dessas sanções. A produção de petróleo, motor da economia venezuelana, caiu drasticamente desde 2014, muito antes das sanções internacionais.

Repressão e violações de direitos humanos
Além da precariedade educacional, o governo Maduro intensificou a repressão a movimentos sociais e sindicais. Greves organizadas por professoras e professores resultaram na prisão de líderes sindicais, com penas severas, como a condenação de um dirigente a 30 anos de prisão por "traição à pátria". No total, 138 sindicalistas enfrentam processos judiciais, enquanto mais de 2.000 pessoas foram detidas em protestos populares, muitas vezes acusadas de terrorismo.

O sistema prisional para dissidentes políticos é denunciado por suas condições desumanas, com restrição de visitas familiares e assistência jurídica. Jovens entre 13 e 18 anos estão entre os detidos, presos por expressarem opiniões contrárias ao regime.

Educação elitista e desigual
Enquanto o ensino público está em colapso, com docentes trabalhando apenas dois dias por semana, escolas privadas oferecem educação completa para as elites, evidenciando um sistema educacional cada vez mais desigual.

Maduro tem usado o discurso de esquerda para implementar políticas neoliberais que corroem os direitos da classe trabalhadora. A denúncia apresentada no III Congresso foi um apelo por solidariedade internacional para combater a repressão, as torturas, a crise educacional e o desmantelamento de direitos básicos na Venezuela.

O povo venezuelano clama por dignidade e justiça em meio a uma das piores crises humanitárias e sociais de sua história recente.

Espanha, França e Itália e os dilemas comuns os da América Latina nos ataques neoliberais à Educação

No III Congresso Mundial contra o neoliberalismo na Educação, representantes sindicais da França, Itália e Espanha compartilharam relatos sobre os impactos das políticas neoliberais em seus sistemas educacionais. Na França, Charlotte Vanbesien, secretária-geral da Federação de Educação, Pesquisa e Cultura, vinculada à Confederação Geral do Trabalho, apontou o internacionalismo como fundamental para as lutas sindicais. Ela destacou ainda que, após a união de sindicatos na França para evitar que a extrema direita chegasse ao poder, o setor público se vê diante dos anúncios de cortes de pessoal e de crescente austeridade na administração dos recursos públicos, implementada pelo governo Macron, afetando trabalhadores e trabalhadoras e diminuindo a oferta de serviços públicos. No Ensino Superior e Pesquisa, foram anunciados cortes de 300 milhões de euros.

Na Itália, no relato de Francesco Locatore, do FLC-CGIL  mostra que no país, assim como em toda a Europa, as escolas têm se submetido à lógica neoliberal  como requisito para receberem recursos oriundos do plano Next Generation Europe, que propõe uma reforma educacional baseada na digitalização da educação pública (aquisição de softwares de grandes multinacionais); na transformação de escolas públicas em negócios concorrentes entre si (gera grandes diferenças salariais e acirra concorrência entre escolas); transformação das escolas estaduais em centros de treinamento da força de trabalho para empresas ao invés de locais de formação da consciência crítica e da cidadania ativa; empobrecimento do conhecimento disciplinar tradicional, em benefício do ensino orientado para as habilidades de estudantes.

Pelo relato de Locatore, na Itália cada vez mais a escola se transforma no centro de formação em massa de trabalhadores e trabalhadoras.

Já na Espanha, Andreu Mumbrú Fuxet, da USTEC-STE, da Comunidade Autônoma da Catalunha, abriu sua fala prestando solidariedade ao povo valenciano, vitimado por chuvas torrenciais que já vitimaram mais de 200 pessoas. O dirigente destacou o Informe Pisa 2024, que mostra o baixo desempenho da educação na Espanha, em especial na Catalunha, e o debate que estabeleceu acerca das metodologias, numa falsa oposição entre competências e conhecimentos.

Mumbrú avalia que o neoliberalismo na educação na Espanha caminha para uma derivação neoautoritária, onde as políticas educativas que perseguem a eficiência econômica como ditado pela OCDE, podem levar a novas fórmulas meritocráticas e aprofundar a segregação e as desigualdades.

Também da Espanha, veio a contextualização de como evoluiu o cenário até este momento. Em 1970 foi promulgada a Lei Geral de Educação, que estabeleceu um marco importante: a obrigatoriedade da escolarização para todas as crianças. Isso gerou um grande desafio, pois as escolas públicas não tinham capacidade suficiente para atender à demanda de matrículas decorrente dessa nova regra.

Para resolver o problema, em 1985 foi aprovada a Lei Orgânica do Direito à Educação (Lode), que introduziu os chamados "concertos educativos". Esses concertos permitiam que escolas privadas recebessem financiamento público para, de forma temporária, absorver os estudantes que não encontravam vagas na rede pública. No entanto, o que era inicialmente uma solução pontual tornou-se uma prática institucionalizada, criando o conceito de "centros sustentados com fundos públicos".

Na prática, essa medida gerou desigualdades significativas. Os colégios privados com financiamento público (os "privados concertados") passaram a selecionar seus alunos, excluindo frequentemente estudantes com necessidades especiais, migrantes ou em situações de vulnerabilidade. Isso criou uma hierarquia no sistema educacional, onde famílias com maior poder aquisitivo tendem a optar pelos privados concertados, enquanto as de menor renda permanecem na rede pública. Essa dinâmica aprofunda a segregação e a desigualdade no acesso à educação na Espanha.

Unir movimentos sociais, sindicais e populares para barrar o neoliberalismo

A segunda Mesa de Informes Nacionais reafirmou a necessidade de união dos movimentos sociais, sindicais e populares em defesa de uma educação pública de qualidade e contra o avanço do neoliberalismo.

Ficou demonstrado que existe uma situação de lutas dentro do contexto das políticas neoliberais, nas quais o foco é o lucro, o poder de utilizar o conhecimento, a tecnologia e a mão de obra para aumentar o capital. Do outro lado, estão os trabalhadores e as trabalhadoras, que buscam a possibilidade de um mundo diferente, focado na natureza, na educação e no desenvolvimento das capacidades e habilidades humanas.

Com relatos de resistência e mobilizações em diferentes países, os participantes do III Congresso Mundial contra o neoliberalismo na Educação reforçaram que a luta pela justiça social e pela transformação do sistema educacional é uma causa comum em toda a América Latina e no mundo.

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