O deputado estadual do Mato Grosso do Sul Marcio Fernandes (MDB) apresentou, no início de julho, um projeto de lei que veda, expressamente, a utilização de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa pelas instituições de ensino e bancas examinadoras de seleções e concursos públicos no estado. O Projeto de Lei 212/2021 está em tramitação na Alems e foi encaminhado para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
De acordo com a proposta, a vedação é válida para instituições de ensino independentemente do nível de atuação e da natureza pública ou privada. De acordo com os dispositivos do projeto, “nos ambientes formais de ensino e educação, é vedado o emprego de linguagem que, corrompendo as regras gramaticais, pretenda se referir a gênero neutro, inexistente na língua portuguesa”.
O projeto soma-se a tantos outros que surgiram impulsionados pelo movimento “Escola sem partido” e que visam interferir na autonomia político-pedagógica e de cátedra das instituições públicas de ensino. A proposta ignora o machismo estrutural que perpassa a construção cultural da língua portuguesa e desconsiderando a importância social de uma linguagem inclusiva.
Raquel de Brito Sousa, da coordenação do Grupo de Trabalho em Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, aponta duas perspectivas muito preocupantes contidas em projetos como esse do Mato Grosso do Sul e outros que tramitam em diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais pelo Brasil: o ataque à autonomia didático-pedagógica e o avanço do conservadorismo no país.
“Ao proibir o uso de flexões de gênero, dentro da perspectiva que esse e outros projetos de lei colocam, isso fere a autonomia dos professores e professoras no processo de ensino e aprendizagem. Fere, também, a autonomia das instituições no processo de ensino e, ainda, nos seus trâmites administrativos”, explica.
A 1ª vice-presidente da Regional Pantanal do Sindicato Nacional reforça ainda o caráter conservador dessas medidas, que têm como base o projeto “Escola Sem Partido” e resgatam a chamada “ideologia de gênero”, o que representa um entrave ao avanço na pauta da diversidade de gênero como parte do processo educacional.
“Esses projetos de lei reforçam o machismo, a homofobia e a heteronormatividade estrutural e institucional. Trata-se de um retrocesso, de um avanço do conservadorismo frente às lutas e às bandeiras das mulheres e do movimento LGBTQIA+ na luta contra o preconceito e pelo respeito à diversidade sexual e de gênero”, ressalta a docente.
Escola sem mordaça
No final de 2020, a Frente Escola Sem Mordaça divulgou o estudo "6 anos de projetos 'Escola Sem Partido' no Brasil: Levantamento dos Projetos de Lei Estaduais, Municipais, Distritais e Federais que censuram a liberdade de aprender e ensinar". A pesquisa mapeou os projetos de censura à liberdade de cátedra apresentados nas câmaras municipais, assembleias estaduais, distrital e Congresso Nacional no Brasil. De acordo com o levantamento, de 2014 a 2020, já haviam sido apresentados 237 projetos nesse sentido, sendo 214 em municípios, estados e no distrito federal e mais 23 projetos apresentados no Congresso Federal.
Em relação à proibição do uso da linguagem neutra, por exemplo, tramitam na Câmara dos Deputados, desde novembro de 2020, os projetos de lei 5198/20, do deputado Junio Amaral (PSL-MG), e o PL 5248/20, do deputado Guilherme Derrite (PP-SP).
* Com informações da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul
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