PL 3179 de 2012 estava parado há mais de um ano na Câmara. Pauta de cunho ideológico é bandeira política de Bolsonaro
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 3179/12, que possibilita que a Educação Básica - ensino Infantil, Fundamental e Médio - seja oferecida em casa sob responsabilidade dos pais ou tutores legais. Conforme o PL, o poder público deverá fazer a supervisão e a avaliação periódica da aprendizagem, mas não especifica as condições. O projeto tramita em regime de urgência e aguarda a constituição de uma comissão temporária que dará um parecer sobre o projeto.
No Brasil, o ensino domiciliar (ou homeschooling, em inglês) não é permitido. O governo federal, no entanto, anunciou a intenção de legalizar a prática ainda neste ano. A pauta é um dos compromissos de campanha do presidente Jair Bolsonaro com sua base conservadora, sobretudo a ala ligada às igrejas evangélicas. O autor da proposta, o deputado Lincoln Portela (PL-MG) é pastor evangélico há 45 anos e presidente da Igreja Batista Solidária.
Luiz Araújo, 3º vice-presidente do ANDES-SN e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho de Políticas Educacional (GTPE) do Sindical Nacional, conta que o homeschooling é oriundo dos Estados Unidos (EUA), onde comunidades religiosas e negacionistas lutam para impedir que suas filhas e filhos aprendam sobre ciência. “No Brasil, este movimento ganhou força nos setores mais conservadores da sociedade que protestam contra atividades que buscam falar sobre a questão de gênero e assuntos como sexualidade nas escolas. O discurso seria o de que escola estaria ensinando perversões para as crianças dentre elas a ‘ideologia de gênero’”, contou.
Tramitação
O projeto sobre a educação domiciliar estava parado na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2019, mas voltou a se movimentar em março deste ano, após Bolsonaro entregar aos presidentes eleitos da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG), uma lista com 35 pautas prioritárias do governo no Congresso para 2021.
Desde então, o debate tem avançado na Casa legislativa com a realização de audiências públicas, convocadas pela relatora Luisa Canziani (PTB-PR), para discutir a regulamentação do ensino domiciliar. Em uma das reuniões, já realizadas, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e a ministra Damares Alves, da pasta Mulher, Família e Direitos Humanos, defenderam o homeschooling e o direito de pais e mães de escolher como querem educar seus filhos e filhas. A previsão é que a relatora apresente o relatório na segunda quinzena de maio. Neste momento, o texto se encontra na consultoria legislativa da Câmara.
“A aprovação deste projeto irá privar milhares de crianças do acesso aos bens culturais, que têm direito de acessar, e impedir que elas escolham no que acreditar, de maneira crítica. Além de enfraquecer o próprio direito à educação, pois tira da responsabilidade do Estado em prover a o ensino”, avaliou o coordenador do GTPE do ANDES-SN.
No Brasil, são 15mil alunas e alunos adeptos ao modelo de ensino, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). Em 2018, o Supremo Tribunal Federal em votação de um recurso determinou que, com a atual legislação, os pais e mães não têm direito de tirar filhas e filhos da escola para ensiná-los exclusivamente em casa. No julgamento, a maioria entendeu que é necessária a frequência da criança na escola, de modo a garantir uma convivência com estudantes de origens, valores e crenças diferentes, por exemplo. Argumentaram também que, conforme a Constituição, o dever de educar implica na cooperação entre Estado e família, sem exclusividade das e dos genitores. Entretanto, na decisão, parte dos ministros entendeu que o ensino domiciliar precisaria ser regulamentado por lei específica.
De acordo com Luiz Araújo, o Sindicato Nacional defende a educação enquanto direito de todos e todas, conforme escrito na Constituição Federal de 1988, portanto, é um dever do Estado.“Toda criança tem o direito a receber uma educação de qualidade, com profissionais qualificados, conforme reza a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional], tendo acesso aos conhecimentos sistematizados, mas não só. É importante registrar que tanto a criança como a e o adolescente são sujeitos de direitos e não propriedade da família. Devem ter reconhecido o seu direito à socialização, à convivência comunitária e a ser parte de um mundo inclusivo, aprendendo a lidar com as diferenças. A sua participação e vivência na comunidade escolar são imprescindíveis para a efetiva inclusão social e formação como cidadãos e cidadãs”, afirma o diretor do Sindicato Nacional.