Reforma da Previdência muda Constituição para privatizar direitos

Publicado em 11 de Junho de 2019 às 11h50. Atualizado em 11 de Junho de 2019 às 12h03

 

A reforma da Previdência (PEC 06/2019) vem sendo considerada como um dos maiores ataque aos direitos sociais da classe trabalhadora. Além de retirar direitos previdenciários e assistenciais, a PEC tem outro caráter perverso. A proposta pretende excluir da Constituição Federal todas as regras referentes às aposentadorias, tanto do setor público quanto da iniciativa privada. A PEC 06/2019 também altera o artigo 194 da Constituição, acabando com o conceito de Seguridade Social.

Solidária e por repartição

A Seguridade Social brasileira – composta pelo tripé Saúde, Previdência e Assistência – se baseia em um sistema de repartição solidária. Foi introduzida na Constituição de 1988 com o propósito de proteger toda a população.

Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé, estabeleceram também as fontes de receitas – as contribuições sociais – pagas por toda sociedade. Com isso, estabeleceu-se maior segurança de arrecadação para o sistema, com o qual todos contribuem e do qual todos usufruem. Trata-se de um sistema solidário.

Nessa lógica, as empresas passaram a pagar a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), um imposto que incide sobre a sua lucratividade. Além disso, elas são obrigadas a contribuir para o INSS, diretamente na folha de pagamento. Os trabalhadores também contribuem ao instituto, pagando um percentual que é descontado mensalmente sobre seus salários. E toda a sociedade contribui por meio da taxação embutida em tudo o que adquire (Cofins).

Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos, loterias e prognósticos, PIS, Pasep, entre outras. E essas diferentes fontes de financiamento têm garantido um saldo positivo para a Seguridade Social. “A Seguridade Social tem sido altamente superavitária nos últimos anos, em dezenas de bilhões de reais”, comenta Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida.

A auditora alerta que a reforma pretende acabar com o sistema de seguridade, solidário e por repartição. A lógica da PEC é que sejam destinados à Previdência apenas os recursos arrecadados com o INSS. Ou seja, apenas as contribuições pagas pelos empregadores e pelos empregados, sobre a folha de pagamento.

“Separa o que vai para a Previdência, o que vai para a Saúde e o que vai para a Assistência. Individualiza o orçamento e destrói a lógica de repartição solidária”, acrescenta Fatorelli.

A auditora explica que com a proposta de sistema de capitalização, contida na PEC, os recursos destinados à Seguridade vão diminuir drasticamente. Isso porque, com esse modelo, as empresas não precisam dar sua parcela de contribuição ao INSS. Além disso, a contribuição do trabalhador será aplicada no sistema financeiro e não mais administrada pelo Instituto Nacional de Seguridade Social.

“Se essa PEC passar com a proposta de capitalização, vão abrir vagas (de emprego) só para quem optar pela capitalização, porque as empresas não vão ter que contribuir. Com isso, vão parar de entrar recursos na Seguridade, e vai comprometer todo o sistema”, afirma Fatorelli.

Objetivos da PEC

“Acompanho esse tema desde 1988. Essa é a PEC com mais profundidade de ataques aos direitos da classe trabalhadora brasileira. É uma PEC que não está estruturada 'apenas' sobre a destruição dos direitos previdenciários, o que já seria bastante. Ela incide também sobre outros direitos e outras áreas, como os direitos trabalhistas, o Sistema Único de Saúde no âmbito da compra e distribuição de remédios, o financiamento do BNDES e a assistência social”, acrescenta Sara Granemann, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

De acordo com a docente, os dois objetivos centrais da PEC são a desconstucionalização da matéria previdenciária e a introdução do sistema de capitalização. O primeiro retira da Constituição os direitos referentes à aposentadoria.

Esses passarão a ser regulados por lei ordinária. Já o segundo tem o propósito de privatizar a Previdência e torná-la um investimento - de alto risco – para trabalhadoras e trabalhadores.

“A desconstitucionalização rompe com as regras e os preceitos democráticos que a redemocratização tornou possível através das lutas sociais nas décadas de 1970 e 1980. Romper com os mecanismos - ainda precários - do Estado de Direito brasileiro é, sem meias palavras, desferir violenta lategada à democracia como um todo”, ressalta.

Desconstitucionalização dos direitos

A PEC 06/2019 prevê que uma lei complementar de iniciativa do Executivo federal disporá sobre a organização e funcionamentos dos Regimes Geral (RGPS) e Próprios de Previdência Social (RPPS). Ou seja, as regras gerais de acesso aos benefícios, de cálculo do seu valor e de posteriores reajustes, por exemplo, serão estabelecidas por lei ordinária.

Leis complementares tramitam com mais facilidade no Congresso. Isso porque são aprovadas em apenas um turno e exigem quórum de votação menor.

Para aprovação de uma PEC são necessárias votações em dois turnos, com aprovação de três quintos dos parlamentares. Na Câmara, são 308 votos favoráveis. Já no Senado, 49. Assim, há muito mais espaço para pressão social e para numerosas manifestações de descontentamento da classe trabalhadora, como as que já vêm ocorrendo.

Sara reforça que, para consolidar o sistema de capitalização da aposentadoria dos trabalhadores brasileiros, é necessária a desconstitucionalização dos direitos previdenciários. Ou seja, é preciso que o assunto previdenciário deixe de figurar na Constituição.

“Claro que isto não impede que se ‘sacrifique’ a desconstitucionalização em favor da capitalização. A última é o fim, a primeira, o meio para continuar a ajustá-la no tempo futuro”, afirma.

Constitucionalização dos ataques

Ao mesmo tempo em que a PEC desconstitucionaliza os direitos previdenciários e desmonta a Seguridade Social, insere novas regras na Constituição. Autoriza, por exemplo, a progressão de contribuições ordinárias e a criação de contribuições extraordinárias, a serem cobradas dos servidores públicos. Amplia, também, a vedação de acumulação de proventos de aposentadoria entre os Regimes de Previdência.

Constitucionaliza, ainda, a criação do sistema de capitalização no RPPS e RGPS, que será regulamentado por lei do Executivo. Ou seja, a Constituição Federal passará a autorizar que uma futura lei complementar institua a capitalização da aposentadoria de todos os brasileiros.

“A capitalização é a razão de ser dessa PEC. É ela que conduz o que deve ser mudado. E, para que dê certo, é necessário desconstitucionalizar nossos direitos”, reforça Sara Granemann.

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